Bahia, 28 de novembro de 2024 às 23:33 - Escolha o idioma:

Evo Morales renuncia na Bolívia após militares cobrarem sua saída


Publicado em: 10 de novembro de 2019


 

O ex-presidente, escondido em uma zona de coca no centro do país, denuncia que a polícia quer detê-lo com uma ordem de prisão ilegal

presidente da Bolívia, Evo Morales, e o vice-presidente, Álvaro García Linera, renunciaram a seus cargos neste domingo encurralados pelo levante popular contra o Governo e abandonados pelas Forças Armadas, pela polícia e até por colaboradores mais próximos. O comandante do Exército, Williams Kaliman, tinha pedido sua renúncia horas antes: “Depois de analisar a situação conflituosa interna, sugerimos que o presidente do Estado renuncie a seu mandato presidencial, permitindo a pacificação e a manutenção da estabilidade pelo bem de nossa Bolívia”. O ex-presidente, escondido em uma zona de coca no centro do país, denunciou domingo à tarde que a polícia está tentando detê-lo com um mandado de prisão ilegal.

Bolívia se encontra em um vazio de poder, após a renúncia dos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. O líder do protesto social, o líder dos comitês cívicos, Luis Fernando Camacho, pediu a formação de uma junta de Governo com o alto comando militar e policial.

“É minha obrigação como presidente indígena e de todos os bolivianos garantir a paz social”, disse o presidente boliviano no início de sua mensagem de renúncia. “Renuncio para que [Carlos] Mesa e [Luis Fernando] Camacho não continuem a maltratar os familiares de nossos companheiros, não continuem atacando ministros e deputados, para que parem de maltratar os mais humildes”, disse Morales. “A luta não termina aqui. Os humildes, os patriotas, vamos continuar lutando pela igualdade e a paz. Espero que tenha entendido minha mensagem, Mesa e Camacho, não prejudiquem os pobres, não causem danos ao povo. Queremos a volta da paz social. Grupos oligárquicos conspiraram contra a democracia. Foi um golpe de Estado cívico e policial. Dói muito o que se passou”, explicou.

Por sua parte, o vice-presidente Álvaro García Linera fez um balanço das conquistas econômicas e sociais do Governo durante os quase 14 anos de mandato, antes de apresentar sua renúncia. “Erguemos a Bolívia. Em 20 de outubro quase a metade dos bolivianos votou em nós. Forças estranhas e obscuras, a partir desse momento, começaram a conspirar. Queimaram instituições e sedes sindicais. Formaram bandos paramilitares para intimidar os camponeses, ameaçaram nossos companheiros. Foi um golpe de Estado. Eu também renuncio. Sempre fui leal ao presidente, estou orgulhoso de ter sido o vice-presidente de um indígena e o acompanharei nos bons e nos maus momentos”, afirmou García Linera.

O presidente boliviano já havia cedido à pressão neste domingo e anunciado novas eleições, após 18 dias de protestos em que pediam a anulação das eleições de 20 de outubro, nas quais foi reeleito. Tudo depois que a Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgou uma auditoria do processo eleitoral em que afirma que os procedimentos adequados não foram seguidos e houve “contundentes” irregularidades, motivo pelo qual exigia sua anulação. Seguindo a recomendação da OEA, Morales anunciou –em uma mensagem televisionada na madrugada deste domingo– sua intenção de “renovar todos os membros do Tribunal Supremo Eleitoral”. O presidente insistiu que, com sua decisão, buscava “baixar toda a tensão” e “pacificar a Bolívia”. Sem aparente sucesso. O Ministério Público anunciou neste domingo uma investigação contra os membros do Tribunal Eleitoral suspeitos de irregularidades. A presidente da instituição, María Eugenia Choque Quispe, apresentou sua demissão imediatamente depois.

A oposição, liderada pelo candidato e ex-presidente Carlos Mesa, queria que Morales e seu vice-presidente, Álvaro García Linera, garantissem que não participariam das novas eleições, bem como um acordo plural para eleger um Tribunal Eleitoral credível. Os responsáveis pelos protestos que convulsionam o país acreditam, além do mais, que a renovação do órgão eleitoral é insuficiente e querem a renovação de todos os poderes do Estado e a criação de uma “junta de governo” transitória, escolhido pelo povo sublevado, que se encarregue das novas eleições.

O destino de Morales estava por um fio. O Governo entrou em colapso, pressionado pelo assédio de movimentos insurgentes que atacam as casas dos líderes governistas. O ministro da Mineração, César Navarro, colaborador próximo do presidente, renunciou neste domingo depois que uma multidão incendiou sua casa em Potosí, que atualmente é a cidade mais radicalizada contra Morales. O mesmo aconteceu com o também potosino Víctor Borda, presidente da Câmara dos Deputados, que, com sua renúncia, disse querer proteger seu irmão que está sendo mantido refém pelos manifestantes. O ministro dos Hidrocarbonetos, Luis Alberto Sánchez, também anunciou sua renúncia neste domingo por meio de um anúncio no Twitter. Antes deles, haviam renunciado diplomatas, governadores, prefeitos, deputados e outros altos funcionários do Estado.

A Central Operária Boliviana, a associação de sindicatos urbanos, aliada ao partido no poder, em uma decisão digna de registro, também pediu a renúncia de Morales. Vários sindicatos de mineiros, afiliados à Central, estão atuando contra o presidente, seguindo os comitês cívicos de suas regiões. Na prática, Morales apenas conta com o apoio dos sindicatos de camponeses, que ainda bloqueiam as estradas que levam a La Paz, a capital administrativa.

Há dois dias a polícia está amotinada e nos quartéis. Juntaram-se desta maneira aos protestos contra um Governo que, consideram, “maltratou e marginalizou” os policiais – um fator-chave para conduzir a situação em favor dos rebeldes. Durante seu mandato, Morales removeu algumas atribuições da instituição policial, como a administração do sistema de identificação, e preferiu confiar nas Forças Armadas que, no entanto, não quiseram defendê-lo nesta crise.

O principal líder dos comitês cívicos que lideram os protestos, Luis Fernando Camacho, aguardava a chegada de numerosos grupos de opositores que viajam a La Paz para levar uma carta de renúncia preparada para Morales assinar e “ingressar” no palácio Governo O presidente está em sua região, o Chapare, cercado por seus leais camponeses das plantações de coca.