Publicado em: 9 de março de 2020
“Milano non si ferma”, Milão não para. Esta foi a frase que circulou logo na primeira semana da crise do coronavírus na Itália, deflagrada no dia 20 de fevereiro. Capital da Lombardia, a região mais afetada pela doença, Milão também é o centro financeiro do país e cultiva a imagem de carro-chefe da indústria criativa e produtiva do “made in Italy”.
A campanha informal e espontânea do “Milano non si ferma” acabou encampada pelo prefeito Beppe Sala, que literalmente vestiu a camisa com a hashtag do slogan. Além disso, fez questão de ser fotografado celebrando o tradicional aperitivo milanês quando os bares foram reabertos, poucos dias após terem sido proibidos de funcionar após às 18h.
Neste domingo (8), porém, Milão foi obrigada a frear na marra. Decreto assinado pelo primeiro-ministro Giuseppe Conte limita a entrada e saída de pessoas de toda a Lombardia e de cidades de outras três regiões (Vêneto, Piemonte e Emilia-Romagna), impondo um regime de semi-quarentena para cerca de 16 milhões de pessoas, um quarto da população. Eventos esportivos, culturais e religiosos, inclusive cerimônias fúnebres, estão proibidos em todo o país, e os estudantes continuarão sem aulas até o dia 3 de abril.
Diante disso, o prefeito milanês se viu obrigado a mudar o tom. “Fiquem em casa”, pediu Sala. A mudança de atitude ajuda a ilustrar o vaivém vivido pelo Norte do país em quase 20 dias de emergência sanitária. Constante, só mesmo o ritmo veloz com que são confirmados novos casos positivos e mortos. Às 18h de domingo, o total era de 6.387 contaminados e 366 vítimas.
Enquanto uns talvez tenham exagerado no otimismo, outros fizeram o mesmo com o pessimismo. De um lado, havia Sala propagando que Milão não para(va); de outro, o governador da Lombardia, Attilio Fontana, anunciava em vídeo que entraria em quarentena após uma funcionária sua ter testado positivo. Apesar de estar sozinho na sala, diante da câmera, ele usava uma máscara cirúrgica, contrariando as recomendações da OMS. A crise é séria, mas devemos evitar o alarmismo, repetem as autoridades.
E, no entanto, os dados são cada vez mais inquietantes. Para quem acredita que o coronavírus não passa de uma “nova gripe” e prefere se ater ao percentual da sua letalidade, vale prestar atenção ao que acontece no norte do país. Algumas cidades não têm mais leitos disponíveis para internação nem para terapia intensiva. As equipe médicas estão no limite, com muitos afastados após terem tido contato com infectados. Estão em estudo a convocação de profissionais aposentados e o adiantamento do diploma para estudantes de enfermagem. Hoje, em Milão, não se trata só de temer o coronavírus, não se pode pensar em quebrar um braço porque o atendimento para todas as outras doenças e emergências está comprometido.
Entre seguir os otimistas e os pessimistas, o que devem fazer os cidadãos? Seguir as recomendações oficiais. Mas é aí que está outro problema. Tem havido um vaivém de regras que nem sempre são precisas. Exemplo: os museus da Lombardia foram obrigados a fechar no dia 23/2. Poucos dias depois, puderam reabrir desde que fosse cumprida a distância mínima de 1 metro entre cada visitante. Como implementar? Como controlar? Não deu nem tempo de descobrir. No novo decreto, publicado neste domingo, foram novamente proibidos de funcionar, agora em todo o país.
Sem contar as cidades da “zona vermelha”, onde as restrições à circulação de pessoas são mais rígidas do que as aplicadas em Milão, é permitido sair de casa, trabalhar, frequentar os parques e outros lugares regularmente abertos, desde que tomados os devidos cuidados. O que fizeram muitos cidadãos na semana passada? Viajaram para as estações de esquis, se aglomerando em filas para pegar o teleférico montanha acima, como mostraram imagens amadoras. Podem ser acusados de egoísmo e de falta de bom senso, mas estavam errados? Não. Nenhuma ordem oficial os proibia de fazer isso —agora sim, desde domingo, as estações de esqui também estão fechadas.
Ainda que se trate de uma situação adversa e grave, mas desde janeiro previsível mundialmente, um mínimo de gestão eficiente da comunicação oficial do governo e das autoridades sanitárias é essencial para que realmente sejam evitadas situações de pânico. No sábado, a falta de clareza e agilidade do governo, na figura do primeiro-ministro, levaram a outro corre-corre. Desconfiadas da iminência da ampliação das restrições, muitas pessoas correram, na noite de sábado, para as estações de trem de Milão, com destino às cidades do sul, correndo o risco de levarem consigo o coronavírus ainda assintomático.
A situação foi agravada com o vazamento do rascunho do decreto, divulgado pelos jornais italianos desde o fim da tarde e confirmado durante a madrugada pelo premiê. Se as ações do governo italiano no âmbito da saúde ainda esperam pela distância do tempo para serem avaliadas como corretas ou equivocadas, parece evidente que as na área da comunicação têm mais erros do que acertos. Como reação, é compreensível que muitos italianos estejam, desde os primeiros dias da crise, estocando tomate pelado e macarrão.