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O adoecer psicológico na crise pandêmica


Publicado em: 27 de outubro de 2020


 

Os sinais do adoecer físico causado pelo vírus do covid-19 são evidentes. O noticiário constantemente atualiza os dados estatísticos de mortes diárias, bem como dos enfermos em estado grave que ocupam as unidades de terapia intensiva. Se você ainda não foi acometido pela doença, possivelmente, soube de relatos de vizinhos, conhecidos ou entes queridos sobre as dores ocasionadas por ela. A dor física que exsurge desta doença é facilmente constatável pelos órgãos sensitivos. Todavia, há sintomas graves de ordem psicológica alcançando a população em geral de diferentes faixas etárias que são de difícil compreensão pela sociedade.

Em que pese os exames clínicos de uma pessoa afetada psicologicamente, por vezes, estarem dentro do espectro da normalidade, ela se sente completamente enfermada e se confunde quanto ao seu estado. Este tipo de adoecimento ainda não é plenamente compreendido pelo doente e pela sociedade, que enfrentam, por questões históricas, culturais ou mesmo educacionais, a ignorância acerca desta problemática. O desconhecimento gera o preconceito e a dificuldade cada vez maior de compreensão dos sintomas quase que obscurecidos do adoecer psicológico. O que a pandemia trouxe, além dos sintomas físicos já mencionados foi à incapacidade das pessoas lidarem com estas questões de ordem emocional. Podemos por em debate tal incapacidade a começar, por exemplo, pela ausência de perícia das escolas em articular essa temática com suas crianças e jovens. Em alguns estados no Brasil às escolas devem possuir, por ordem legal, o suporte de psicólogos e psicopedagogos, entretanto, na prática há pouca recorrência a esses profissionais. Em muitas reuniões escolares virtuais, em época de pandemia, fala-se sempre em adequação do sistema de acesso aos alunos, sobre dificuldades operacionais, sobre agendas onlines, sobre diversas questões técnicas, mas se esquecem, não raras vezes, do cuidado com o psicológico dessas crianças.

Esse exemplo é um traço forte de como a coletividade ainda encara de forma precária o cuidado com a mente humana. Antes da crise de saúde que vivemos atualmente, cada indivíduo, em regra, possuía o seu modo próprio de existir no mundo, ou seja, a vivência de cada pessoa se fazia dentro de uma formulação de experiências que correspondem a cada ser. A forma como cada um projeta a sua vida seja acordando, trabalhando, cuidando dos filhos, estudando, se alimentando em horários determinados ou não, fazendo exercícios etc., é algo que faz parte da existência individual. Com o advento da pandemia, os modos de existir particulares, que se perfazem pelas vivências, foram completamente modificados. Neste toar, temos então uma crise existencial e como corolário disso o adoecer psicológico pandêmico agravado pelo preconceito e a ignorância da coletividade.

Todo tipo de comportamento negacionista da crise, seja ele concernente aos fatores físicos ou psicológicos, apenas servem de fomento para o aprofundamento dos problemas gerados pela pandemia. Urge, pois, que hajam mudanças de bases educacionais e culturais no sentido de promover o amplo debate em diferentes cenários, a começar da infância, especialmente o trabalho no fortalecimento do autoconhecimento de cada indivíduo. Afora isso, estratégias bem articuladas de políticas públicas podem intervir de forma mais célere na situação atual com escopo em salvar vidas de pessoas que neste momento encontram-se sob o manto da invisibilidade.

 

Carol Ane Mutti Pedreira

Professora, Doutoranda e Mestra em Filosofia Hermenêutica pela UFBA, advogada e especialista em advocacia trabalhista.