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Crise na Venezuela: dolarização informal da economia cria mercado de troco no país


Publicado em: 13 de abril de 2021


Notas de dólar de baixo valor são escassas na Venezuela

Ele é um dos mascates que vende moedas em Catia, um dos mercados mais populares de Caracas.

“Quem me dá uma nota de US$ 20, eu dou 18 notas de US$ 1.”

A diferença é o lucro de Carlos, que, como muitos na Venezuela hoje, vive, segundo ele, “em busca de mudanças” .

Mas por que há alguém que aceita um reembolso de US$ 18 quando tudo o que precisa fazer é trocar US$ 20?

A resposta é simples. O troco é uma mercadoria rara na Venezuela, onde há uma dolarização de fato devido à perda de valor do bolívar, a moeda local.

E a falta de troco torna muitas transações comuns difíceis de realizar, um problema especialmente urgente em serviços cotidianos como o transporte público.

Carlos Ramos ganha dinheiro trocando notas de alto valor por notas de US$ 1

Rafael Bravo, que faz o trajeto entre Catia e El Silencio, no centro de Caracas, com seu ônibus todos os dias, explica à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, os problemas que enfrenta.

“A passagem custa 150 mil bolívares (US$ 0,07 para trocar), mas muitas pessoas não têm cédulas e não podem pagar. Mesmo que tivessem notas de US$ 1, isso seria muito mais do que o valor do bilhete e eu nunca tenho todo o troco para devolver ao passageiro”.

Trata-se de mais um exemplo dos problemas causados pela falta de troco para os venezuelanos.

A solução que Rafael encontrou não é muito lucrativa. Para quem não tem como pagar, ele permite viajar de graça. Em outras partes do país, alternativas estão surgindo.

Hiperinflação

Desde 2017, a Venezuela vive um processo de hiperinflação, de alta acelerada dos preços, que fez com que sua moeda, o bolívar, perdesse quase todo o valor.

Com isso, o dólar é cada vez mais utilizado e, segundo estimativas da consultoria Datanálisis, já representa 64% do total das transações.

 

Dólar é alívio para muitos venezuelanos diante de desvalorização do bolívar

Mas, segundo Guillermo Arcay, economista da Universidade Católica Andrés Bello de Caracas (capital da Venezuela), “na Venezuela não existe uma dolarização formal como a que tem sido feita em outros países, que cooperaram com o Federal Reserve (o banco central dos Estados Unidos) e fizeram um processo organizado por meio de canais de pagamento internacionais. ”

Luis Vicente León, da Datanálisis, indica que essa falta de coordenação com as autoridades americanas “faz com que os dólares não entrem no sistema de forma organizada e o volume monetário que circula não seja planejado em termos de oferta e demanda”.

Um exemplo de dolarização formal da economia, ao contrário da Venezuela, é o Panamá.

Os governos socialistas de Hugo Chávez e Nicolás Maduro eram críticos ao uso do dólar na Venezuela durante anos.

Mas no ano passado as autoridades começaram a tolerar a circulação da moeda americana no país e Maduro afirmou que a divisa funciona como uma “válvula de segurança” da economia frente ao “bloqueio” imposto pelos Estados Unidos em forma de sanções.

Soluções

Atualmente, o dólar predomina, mas dada a escassez de notas de dólar de baixo valor, o bolívar continua sendo a moeda de referência para esse tipo de transação. Até moedas de US$ 0,25 já começam a ser vistas para facilitar o troco.

Isso força os venezuelanos a se adaptarem. A jornalista Vanessa Silva explica que já aprendeu em que nível deve estar a agulha do tanque do seu carro para que possa abastecê-lo por US$ 10. Caso contrário, não terá troco e acabará perdendo dinheiro.

E ela não é a única.

 

Quase tudo já é vendido em dólares na Venezuela

Recentemente, a rede de lojas de departamentos Beco, quando não tinha troco em dólares, passou a dar aos clientes vouchers que eles poderiam usar como meio de pagamento em compras futuras.

A Superintendência Nacional de Defesa dos Direitos Socioeconômicos (Sundde), órgão estadual, agiu rapidamente para coibir essa prática.

As autoridades também intervieram contra a rede de farmácias Farmatodo para assegurar que o troco seja dado em dólares aos clientes.

A Superintendência das Instituições do Setor Bancário (Sudeban) anunciou a entrada em operação, a partir de 15 de abril, de uma nova modalidade de pagamento denominada C2P (comércio para pessoa) em que o estabelecimento processa o pagamento diretamente no banco do cliente.

Isso faz parte da estratégia de Maduro para divulgar o chamado “bolívar digital” .

O presidente apontou como primeira medida o sistema de transporte público, que movimenta cerca de três quartos de todas as contas do bolívar que circulam na economia, mas a baixa conectividade na Venezuela levanta dúvidas sobre sua possível eficácia.

Arcay explica que os mais afetados pela falta de troco e de dinheiro são os “venezuelanos sem conta bancária”, para os quais muitas vezes não há alternativa a não ser abrir mão do que precisam.

“Há transações que simplesmente desapareceram. Elas não acontecem mais.”

As novas notas

Uma possível ajuda poderiam ser as novas notas de 200.000, 500.000 e 1 milhão de bolívares, o maior valor nominal da história desta moeda, que foram recentemente apresentadas pelo Banco Central da Venezuela.

A medida foi considerada uma tentativa de resolver as dificuldades de pagamentos de menor valor.

Mas, apesar de seu alto valor de face, a nova nota de 1 milhão de bolívares vale apenas US$ 0,50 (R$ 2,80) e deve continuar perdendo valor devido à depreciação permanente da moeda venezuelana.

Arcay observa que o governo lançou “algumas notas muito altas que na verdade desempenharão o papel de moedas”.

O economista diz acreditar que, de qualquer forma, “será uma solução por algumas semanas, no máximo meses”.

 

BANCO CENTRAL DE VENEZUELA

Além disso, a emissão das novas cédulas não soluciona o problema de muitos, porque o dinheiro em bolívares também é escasso.

O volume de bolívares em cédulas na economia representa 2% do dinheiro que circula no país. Há dois anos, era equivalente a 7%, segundo dados do BCV divulgados pela agência de notícias Reuters.

Luis Vicente León diz que não serão as ações contra as empresas ou a retirada de zeros de sua moeda, como o governo venezuelano fez várias vezes, que devolverão o valor ao bolívar, e ele pede uma mudança radical na política econômica.

“Na realidade, o valor de uma moeda se baseia na confiança que inspira e, na situação atual, as chances de recuperar a confiança na moeda venezuelana no curto prazo são nulas”.

 

 

  • BBC News Mundo, Caracas