Publicado em: 28 de abril de 2021
Bolsonaro diz não estar preocupado, mas Palácio do Planalto se mobiliza para responder aos senadores. Saiba quais os principais focos da comissão
A CPI da Covid realizou na terça-feira (27) sua primeira reunião. A comissão parlamentar de inquérito terá 90 dias para investigar as ações e omissões do governo Jair Bolsonaro no combate à pandemia, além dos repasses de recursos federais a estados e municípios.
Na véspera da abertura dos trabalhos, o presidente afirmou, num evento na Bahia, que não está preocupado porque “não deve nada”. Ele aproveitou para atacar governadores que adotam medidas de restrição de circulação recomendadas por órgãos sanitários internacionais.
“Não estiquem a corda mais do que está esticada. Não podemos admitir alguns pseudogovernadores quererem impor uma ditadura no meio de vocês, usando do vírus para subjugá-los”
Jair Bolsonaro
Desde o início da pandemia, em março de 2020, além de atacar o isolamento social, Bolsonaro defendeu remédios que não funcionam contra a covid-19, atrasou e desestimulou a vacinação, aglomerou pessoas e questionou sem base científica o uso de máscaras.
Sob um discurso de que nada fez de errado, o presidente insistiu para que os estados também virassem alvo da CPI, o que veio a ocorrer no que se refere aos repasses federais. Há governadores já denunciados à Justiça por desvios de verbas da saúde: Wilson Witzel (PSC), do Rio, que chegou a ser afastado do cargo em agosto de 2020; e Wilson Lima (PSC), do Amazonas, denunciado na véspera da abertura da comissão.
A preparação do governo
Apesar do discurso de despreocupação de Bolsonaro, o governo vem se preparando para enfrentar questionamentos dos parlamentares. Ex-ministro da Saúde, o general da ativa
No domingo (25), o portal UOL revelou um e-mail enviado pela Casa Civil a 13 ministérios com uma lista de 23 acusações que devem surgir na CPI. O órgão solicitou informações que possam embasar a defesa do governo e documentos das ações tomadas para serem apresentados.
A atuação de Bolsonaro contra as medidas preconizadas para conter a transmissão do vírus, ao longo de toda pandemia, estão fartamente documentadas e devem dificultar a estratégia do governo federal de culpar apenas os governadores.
Os alvos iniciais da CPI
Uma versão preliminar do plano de trabalho da CPI, divulgada em 19 de abril, prevê que sejam realizadas acareações entre integrantes e ex-membros do governo, quebras de sigilo e a convocação dos principais auxiliares de Bolsonaro. Entre os nomes previstos estão os dos ministros Marcelo Queiroga (Saúde) e Paulo Guedes (Economia).
Também devem ser convocados os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e o ex-chefe da Secom (Secretaria de Comunicação Social) Fábio Wajngarten, que eximiu Bolsonaro de culpa na condução das ações na pandemia.
Edson Pujol, ex-comandante do Exército, também deve ser chamado para explicar os gastos do Exército na produção de hidroxicloroquina, remédio ineficaz contra a covid-19 que foi amplamente divulgado pelo presidente.
O comando da CPI e seus focos
O senador Omar Aziz (PSD-AM) vai comandar a comissão. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) será o vice-presidente. Os dois cargos foram escolhidos por eleição. O relator foi designado pelo presidente da comissão.
Um acordo entre partidos grantiu Renan Calheiros (MDB-AL) como relator. Na segunda-feira (26), um juiz de Brasília, Charles Morai, atendeu a um pedido da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP) e concedeu uma liminar proibindo o parlamentar de ocupar o posto. Na terça, a liminar foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região.
O argumento de Zambelli era de que há conflito de interesses pelo fato de o senador ser pai de Renan Filho (MDB), governador de Alagoas e potencial alvo da comissão. Renan disse que vai designar um sub-relator para cuidar dos repasses federais aos estados.
Em meio a pressões sobre quem investigar e disputas políticas características de comissões parlamentares de inquérito, o Nexo lista cinco pontos que o governo federal precisará explicar aos senadores.
Aquisição de vacinas
A imunização dos brasileiros caminha em ritmo lento por falta de vacinas. O governo federal apostou apenas na vacina de Oxford produzida pelo laboratório anglo-sueco AstraZeneca. Ela é envasada no Brasil pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), que assinou um acordo em 2020 para produzi-la nacionalmente. A maioria dos imunizantes aplicados no país, porém, é fornecida pelo Instituto Butantan, ligado ao governo de São Paulo, que tem produzido a chinesa Coronavac.
Na segunda-feira (26), apenas 13,68% da população havia recebido ao menos uma dose do imunizante. Somente 5,9% foram vacinados com as duas doses necessárias, de acordo com levantamento do consórcio de veículos de imprensa.
Uma das explicações a serem dadas pelo governo federal na CPI é a negligência na aquisição das vacinas e as falas de Bolsonaro contra a Coronavac. Em outubro de 2020, Pazuello anunciou um acordo de intenção de compra dos imunizantes com o governo de São Paulo. O presidente, porém, desautorizou seu ministro e disse que o governo não compraria o produto. “A [vacina] da China nós não compraremos. É decisão minha. Eu não acredito que ela transmita segurança suficiente para a população”, afirmou na época.
Antes disso, ainda em agosto, o governo também recusou uma oferta da Pfizer de 70 milhões de doses que poderiam ter sido entregues ainda em dezembro de 2020, o que permitiria ao Brasil ter iniciado a campanha de imunização um mês antes. O governo admitiu ter recebido a proposta, mas afirmou que a recusou por causa de cláusulas no contrato — entre as quais, a que isenta a empresa de responsabilização por eventuais efeitos adversos.
Garantia dos insumos
Uma das principais medidas de controle da pandemia, defendida pela OMS (Organização Mundial da Saúde), é a realização de testes para identificar os doentes, isolá-los, rastrear seus contatos e colocá-los em quarentenas. Ao longo da pandemia, o governo atrasou a entrega de testes e deixou parte dos produtos perder a validade onde era estocado. Segundo um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União), o governo não tinha uma política de testagem e distribuiu os testes sem critérios ou estratégia.
Já em 2021, durante a pior fase da pandemia, os hospitais do país começaram a ficar sem remédios para tratar pacientes em estado grave nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva). Segundo as secretarias de Saúde, o governo federal não se planejou para adquirir o chamado kit intubação — formado por analgésicos, bloqueadores musculares e sedativos. Sem esses medicamentos, médicos não conseguem ventilar mecanicamente os pacientes.
Um dos episódios mais dramáticos da pandemia também está relacionado à falta de insumos. Em janeiro de 2021, mesmo avisado da incapacidade da indústria de fornecer oxigênio na quantidade necessária no Amazonas, o governo federal não evitou que o produto faltasse. Pacientes morreram por falta de ar no estado.
Conduta negacionista
A maior crise sanitária da história do Brasil foi tratada com descaso pelo governo federal. Bolsonaro minimizou desde o início a gravidade da pandemia, que derrubou a economia global e fechou dezenas de países, classificando a covid-19 como uma “gripezinha” em pronunciamento em rede nacional em março de 2020.
Além de negar a situação, o presidente atuou para sabotar medidas de distanciamento e isolamento social adotadas por governadores e prefeitos. Ele incentivou aglomerações e participou de manifestações com apoiadores. Em março de 2021, moveu uma ação no Supremo, que acabou negada, contra medidas restritivas adotadas por alguns estados.
O governo federal também não exerceu seu papel, por meio do Ministério da Saúde, de coordenação de uma política nacional de enfrentamento da pandemia. Bolsonaro distorceu uma decisão do Supremo, de abril de 2020, que deu autonomia a estados e municípios para adotarem suas próprias medidas com base em critérios locais. Segundo ele, o governo federal não poderia fazer nada por causa da decisão judicial, o que era mentira.
O governo também não promoveu campanhas de prevenção contra a covid-19 nem elaborou um plano nacional de comunicação para divulgar diariamente as situações de risco e dar orientações à população.
Ao longo da crise sanitária, o presidente politizou a doença e travou uma guerra política com governadores, principalmente contra João Doria, que tem pretensões de concorrer à Presidência em 2022 e usou a Coronavac como um trunfo político. Bolsonaro acusou o adversário de fazer “demagogia barata”.
A demora em dar uma resposta à crise foi tanta que o governo federal só decidiu criar uma comitê contra a covid, com a participação dos presidente da Câmara e do Senado, em março de 2021, um ano depois do início da pandemia.
Medicamentos ineficazes
Bolsonaro e sua equipe sempre difundiram medicamentos que se mostraram ineficazes contra a covid-19 na maioria dos ensaios clínicos que seguiram os padrões exigidos pela ciência, como a cloroquina e sua derivada, a hidroxicloroquina.
Em janeiro de 2021, durante a crise no Amazonas, o ministério enviou uma equipe a Manaus para incentivar o uso dos remédios em unidades de saúde. Foram enviados ainda 120 mil comprimidos de cloroquina ao estado, que na época precisava de oxigênio.
A cloroquina também esteve no centro das crises políticas no Ministério da Saúde envolvendo os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Eles deixaram o cargo por discordância com o presidente em relação ao medicamento.
Com a saída dos dois ministros médicos, a pasta foi entregue ao general Eduardo Pazuello, que assumiu a defesa do remédio, elaborando um documento com orientações para médicos e pacientes que quisessem fazer o tratamento. Na gestão Pazuello, funcionários de carreira do ministério foram substituídos por militares sem experiência na área da saúde.
Tanto Bolsonaro como integrantes de sua equipe também são acusados de distribuir notícias falsas pelas redes sociais sobre o suposto tratamento precoce — que o próprio presidente disse ter feito uso ao ser infectado pelo coronavírus em julho de 2020.
Uso de recursos federais
O governo também é acusado de atrasar o pagamento do auxílio emergencial aprovado por iniciativa do Congresso. A pandemia voltou a recrudescer em janeiro de 2021, mas a ajuda só foi liberada em abril.
O TCU também apontou que o governo não cumpriu as recomendações de uma auditoria feita pelo tribunal para expedir orientações a estados e municípios sobre como usar os recursos federais transferidos para o combate à pandemia.
No início de 2021, ao menos cinco estados também precisaram recorrer ao Supremo para que a União voltasse a pagar pelos leitos de UTI abertos para atender pacientes com covid-19 em estado grave. A medida só foi feita por ordem da Justiça.
O governo é ainda criticado pela ineficiência do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas), que ofereceu uma linha de crédito para diminuir as demissões durante a pandemia — foram liberados R$ 30 bilhões para o programa, mas muitos empresários não conseguiram receber o recurso, e o país vive um recorde de desemprego de 14,2%, o equivalente a 14,3 milhões de pessoas.
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