Publicado em: 19 de agosto de 2021
Estudante de 17 anos conta como toda sua rotina foi alterada desde domingo (15), quando o Talibã ocupou Cabul, a capital do país, e obrigou todos a ficarem trancados em casa.
‘Por enquanto temos comida, mas não sabemos como vai ser quando acabar’, diz afegã; família não sai de casa desde domingo (15).
Bushra Masomi tem 17 anos e mora em Cabul, capital do Afeganistão, com a família. A estudante se define como ativista, quer se tornar médica, foi voluntária de programas educacionais voltados para mulheres em seu país, mas, de repente, tudo isso mudou.
Ela é cunhada de Masood Habibi, de 29 anos, que morava no Brasil desde setembro de 2020 e voltou para o Afeganistão em maio deste ano para trazer a família de volta, mas ainda não conseguiu sair de lá.
Desde domingo (15), quando o grupo extremista Talibã tomou o poder, os sonhos foram interrompidos e sua rotina, alterada. Sua família não sabe como fará para conseguir comida quando o estoque acabar, ela questiona quando poderá rever as amigas e voltar a estudar, mas tem uma convicção: precisa deixar o país o quanto antes, e o Brasil pode ser seu destino.
Na quarta-feira (18), a estudante enviou um depoimento ao G1. Leia a íntegra:
“Agora são 23h20 em Cabul. Desde domingo, não saímos de casa para nada. Estamos em casa em sete pessoas. Eu, meu pai, minha mãe, minha irmã, dois irmãos mais novos e minha avó.
Nós tínhamos uma boa vida antes, com amigos e família. Mas, depois da chegada do Talibã, nós precisamos ficar em casa, as aulas foram interrompidas, as lojas estão todas fechadas e não temos nenhuma esperança de futuro.
Bushra Masomi, a segunda, da esq. para a dir., com sua família em Cabul, capital do Afeganistão — Foto: Arquivo Pessoal
Eu sou uma ativista, já fui voluntária em programas educacionais só para mulheres aqui no meu país. Eu podia sair de casa. As nossas aulas eram dadas em escolas. Eu sempre tento aprender coisas novas, tenho interesse em novas tecnologias. Mas desde que o Talibã chegou, tudo acabou. Nós não podemos mais ver nossos professores nem nossos amigos. Eu queria ser médica, mas agora meu sonho foi destruído.
Agora todo mundo está preocupado com o futuro, ninguém pode sair de casa. Algumas vezes ouvimos tiros.
Estamos tentando passar o tempo lendo diversos livros, fazendo exercícios ou atividades e vendo TV, precisamos nos manter ocupados. Eu e minha família assistimos principalmente programas ligados à educação e ao entretenimento.
Não era difícil para nós conseguir comida ou algo para beber, mas quando o Talibã ocupou o Afeganistão, nós estamos trancados em casa e não podemos sair para comprar o que precisamos. Por enquanto temos comida, mas não sabemos como vai ser quando acabar.
Eu tenho medo de que o Talibã entre em nossa casa, eu temo pelo meu futuro.
Eu sairei do meu país o mais rápido possível porque eu quero realizar meus sonhos. E meus amigos e parentes estão na mesma situação, perderam completamente as esperanças.
Vou deixar meu país assim que possível porque aqui no Afeganistão não conseguirei realizar meus sonhos. Meu cunhado mora no Brasil, eu irei morar com eles.
Antes da chegada do Talibã eu tinha muitos sonhos, queria ser médica e cuidar do meu povo. Depois da ocupação do Talibã, não vejo nenhum futuro no Afeganistão.”
Por Paula Lago, G1 SP — São Paulo