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O vale-tudo de Bolsonaro a poucos meses das eleições


- Crédito da Foto: Reprodução DW - Publicado em: 28 de julho de 2022


A menos de três meses das eleições presidenciais e com o presidente Jair Bolsonaro aparecendo em ampla desvantagem nas pesquisas, o governo tem agido para turbinar gastos sociais e subsídios, levantando acusações de uso eleitoreiro da máquina pública. A última medida recebeu sinal verde do Congresso na quinta-feira (14/07), quando foi promulgada a emenda constitucional apelidada “Kamikaze”.

Segundo a Lei das Eleições, é vedado ao governo criar novos benefícios em ano eleitoral. Mas a lei de 1997 prevê uma exceção: benefícios podem ser criados desde que o país esteja sob estado de emergência ou calamidade. E foi exatamente esse estratagema que o Congresso, com o aval de Bolsonaro, usou para contornar a lei, ao incluir na emenda o reconhecimento de estado de emergência.

A emenda foi promulgada num momento em que Bolsonaro vê sua reeleição ameaçada, pois aparece atrás do petista Luiz Inácio Lula da Silva em todas as pesquisas. Alguns levantamentos apontam que o político de extrema direita pode perder para Lula já no primeiro turno.

O governo nega o caráter eleitoreiro da emenda e de uma série de outras medidas já colocadas em prática neste ano, e que devem ter um impacto profundo nas contas públicas, alegando que são necessárias para avaliar o impacto da inflação e do preço dos combustíveis, que tem tido impacto severo entre as famílias brasileiras.

No entanto, os críticos apontam para o fato de a maior parte das medidas ter um prazo de validade que segue de perto o calendário eleitoral, sem ser de fato políticas públicas de longo prazo. Benefícios como o incremento de R$ 200 no valor do Auxílio-Brasil, por exemplo, devem durar até 31 de dezembro, terminando apenas dois meses depois do segundo turno das eleições.

Medidas em ano eleitoral

A tática de estender benefícios ou aumentar gastos em ano eleitoral não é nova. Um estudo do economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que desde o fim da ditadura, o nível de pobreza no Brasil tende a cair nos anos de eleições federais. Em boa parte dos casos, a pobreza voltou a subir no ano seguinte aos pleitos.

O então presidente Lula expandiu o programa Bolsa Família em 2006, ano em que disputou a reeleição, quando os gastos mensais com o benefício tiveram um salto de 60% em julho e o número de famílias atendidas aumentou. Em 2014, a então presidente Dilma Rousseff, que também buscava a reeleição, anunciou pacotes de bondades para a indústria e um reajuste de 10% no valor do Bolsa Família.

Em 1998, o governo de Fernando Henrique Cardoso tomou uma das medidas eleitoreiras mais célebres das disputas presidenciais brasileiras, segurando uma iminente explosão cambial até o período pós-eleitoral, beneficiando diretamente a reeleição do então ocupante do Planalto. O dólar acabou disparando poucos dias após a nova posse.

No entanto, tais táticas usavam mecanismos menos gritantes para evitar esbarrar na Lei Eleitoral. O aumento de gastos do Bolsa Família em 2006, por exemplo, já estava previsto no Orçamento daquele ano. E a manipulação da política cambial de 1998 não envolvia gastos sociais.

Já os valores envolvidos e as táticas políticas cruas usadas por Bolsonaro e seus aliados contrastam com seus antecessores. No caso do Auxílio-Brasil, por exemplo, os gastos com o programa vão chegar a R$ 114 bilhões em 2022, em contraste com os R$ 35,4 bilhões que constavam na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021.

Bolsonaro também direcionou programas específicos para setores que compõem sua base, como caminhoneiros. “A emergência atual [para o governo] é eleitoral, não social”, disse à agência AFP Marcelo Neri, da FGV.

Confira abaixo as medidas de Bolsonaro nos últimos meses que levantaram acusações de uso eleitoreiro.

PEC “Kamikaze”

O carro-chefe das acusações contra Bolsonaro de uso eleitoreiro de gastos públicos foi a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apelidada de “Kamikaze”, que estabeleceu um gasto extra de R$ 41,2 bilhões em pleno ano eleitoral, com a criação e expansão de uma série de gastos sociais. Para que a medida contornasse a Lei Eleitoral, que veda a criação, o Congresso incluiu na medida o reconhecimento de situação de emergência no país. Os gastos devem durar até 31 de dezembro deste ano.

Entre os gastos incluídos na emenda estão:

  • Auxílio Brasil: o valor do benefício passa até o fim do ano de R$ 400 para R$ 600 mensais. Mais 1,6 milhão de novas famílias devem ser incluídas no programa. O custo total deve ser R$ 26 bilhões.
  • Criação de um “voucher” de R$ 1 mil para caminhoneiros autônomos. Custo: R$ 5,4 bilhões.
  • Ampliação de R$ 53 no Auxílio-Gás. Custo: R$ 1,05 bilhão. A criação do programa, em 2021, já previa R$ 1,9 bilhão.
  • Transporte gratuito de idosos: compensação aos estados para atender a gratuidade dessa fatia da população. Custo: R$ 2,5 bilhões.
  • Benefícios para taxistas. Custo: R$ 2 bilhões.
  • Alimenta Brasil: R$ 500 milhões para programa de compra de alimentos produzidos por agricultores familiares e distribuição a famílias em insegurança alimentar.
  • Etanol: R$ 3,8 bilhões para o setor.

Ampliação com gastos de propaganda

A estratégia de gastos com propaganda levou Bolsonaro a deixar de lado até mesmo disputas com empresas de comunicação hostis ao governo, como a Rede Globo, um alvo costumeiro de ataques do presidente. Entre janeiro e junho de 2022, o governo aumentou em 75% os gastos com publicidade junto à emissora em relação ao mesmo período do ano anterior, com o valor passando de R$ 6,5 milhões para R$ 11,4 milhões,

Em conjunto,  Globo, SBT, Rede TV, Record e Band receberam R$ 33 milhões no primeiro semestre, o maior valor desde 2019. Ainda em maio de 2022, o Congresso aprovou, com o aval de Bolsonaro, uma lei que permitia um aumento significativo de gastos com publicidade oficial, contornando a Lei das Eleições, que impunha limites a esse tipo de tática. O STF acabou barrando a lei, pelo menos neste ano, apontando que mudanças do tipo não podem valer a menos de um ano do pleito.

Combustíveis

Nos últimos meses, diante da alta dos combustíveis, o governo executou uma série de medidas de isenção de tributos sobre o diesel, gás e gasolina com o objetivo de baixar os preços. O impacto das medidas deve custar mais de R$ 60 bilhões apenas para União até o fim do ano.

Impacto

As medidas têm causado pessimismo entre analistas do mercado. Nesta quinta-feira (14/07), o banco americano Goldman Sachs alertou sobre a deterioração das regras fiscais no Brasil, um dia depois de a Câmara dar o sinal verde final para a PEC Kamikaze.

Segundo o banco o Goldman Sachs, o efeito da PEC Eleitoreira somado às renúncias fiscais sobre os combustíveis deve chegar a 0,7% do PIB.

“Na nossa avaliação, para além da preocupação justificada com o impacto social da subida da inflação e dos preços dos combustíveis, as medidas anunciadas irão, em alguns casos, conduzir a uma má afetação de recursos na economia e poderão ter um impacto duradouro nas finanças públicas, pois é altamente improvável que muitas das medidas anunciadas serão revertidas em janeiro de 2023”, alertou o diretor para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, em relatório enviado para clientes e citado pelo jornal Correio Braziliense.

Segundo o banco, a PEC e outras medidas semelhantes devem dificultar ações do Banco Central para conter a alta da inflação.

A aprovação da PEC “Kamikaze” também resultou na quinta grande mudança no teto de gastos desde 2019. O teto é um mecanismo que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior. As cinco alterações já somam um impacto fiscal de R$ 213 bilhões em relação à regra original, segundo dados realizado pela Instituição Fiscal Independente (IFI). Economistas ouvidos pelo portal de notícias G1 afirmaram que tantas mudanças resultaram em perda de credibilidade da regra.

Social-democrata Lula é mais popular entre aqueles que recebem Auxílio Brasil Foto: NELSON ALMEIDA/AFP

Gastos não costumam render dividendos eleitorais esperados

Entre 1998 e 2014, medidas tomadas por FHC, Lula e Dilma nas disputas pela reeleição se refletiram em suas intenções de voto. Mas o histórico recente de Bolsonaro e pesquisas eleitorais indicam que o efeito pode ser limitado para ele.

De acordo com o último Datafolha,Lula tem 47% das intenções de votos totais contra 28% de Bolsonaro. Na faixa que ganha até dois salários mínimos, a diferença é ainda maior: o petista conta com 56%, enquanto Bolsonaro registra 20%.

Até o momento, a ampliação do antigo Bolsa Família, que sob Bolsonaro passou a se chamar Auxílio-Brasil, com um valor mínimo de R$ 400, contra R$ 194 da média anterior, não rendeu os dividendos políticos esperados pelo governo. A mesma pesquisa Datafolha mostrou que 59% dos eleitores atendidos pelo Auxílio-Brasil não votariam em Bolsonaro de jeito nenhum.

Mesmo medidas anteriores de Bolsonaro tiveram efeito limitado. O auxílio emergencial de R$ 600 distribuído pelo governo em 2020, no início da pandemia, teve um impacto positivo modesto na avaliação de Bolsonaro, e mesmo seus efeitos só começaram a se consolidar quatro meses depois – enquanto o primeiro turno da eleição presidencial está previsto para ocorrer em menos de três meses.

O auxílio começou a ser pago em abril daquele ano, mas só em agosto avaliação do presidente subiu significativamente. Ainda assim, os índices estavam longe de ser invejáveis: de acordo com o Datafolha, a aprovação de Bolsonaro em todo o período subiu apenas de 33% para 37%. O último índice se manteve estável até dezembro de 2020.

Já o índice de eleitores que avaliavam o governo como ruim/péssimo só caiu quatro pontos percentuais entre abril e agosto. Mesmo a volta de pagamentos de R$ 600, desta vez pelo Auxílio-Brasil temporariamente turbinado, ocorre numa conjuntura pior. Com cerca de 21% de inflação acumulada desde o início da pandemia, o valor de R$ 600 distribuído em abril de 2020 deveria ser de pelo menos R$ 725 para ter o mesmo impacto.

DW