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Entenda o que é o arcabouço fiscal e qual a sua importância


Publicado em: 24 de maio de 2023


As novas regras trazem mais flexibilidade na gestão das contas públicas. Entenda o que muda na economia

O tão esperado arcabouço fiscal veio em substituição ao regime de teto de gastos, vigente desde o governo Temer até o início do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A palavra arcabouço, que significa “esqueleto” ou “alicerce”, remete à sustentação de normas que darão norte à atuação, nesse caso, da política fiscal brasileira. O anúncio dessas regras foi feito no dia 30 de março pelo atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em coletiva de imprensa, junto com a Ministra do Planejamento, Simone Tebet.

Mas afinal, como o arcabouço fiscal funcionará na prática, e quais os seus reflexos para a economia? Isso afetará de alguma forma os investimentos? Para responder a essas e outras perguntas, o InfoMoney elaborou este guia com os principais aspectos que você precisa conhecer sobre o tema. Portanto, se você também tem dúvidas e quer entender quais os efeitos das novas normas fiscais, continue a leitura a seguir!

O que é arcabouço fiscal?

Na prática, o arcabouço fiscal é um conjunto de regras que têm como objetivo evitar o descontrole das contas públicas. Em outras palavras, a ideia é evitar que o governo gaste mais do que arrecada, o que traria mais previsibilidade às finanças públicas e mais confiança por parte de credores, investidores e agentes econômicos de forma geral.

Teoricamente, com um cenário fiscal mais seguro, haveria espaço para uma queda da taxa Selic. Na economia, juros altos por um período muito prolongado de tempo acabam sendo nocivos à atividade produtiva. Isso porque o dinheiro mais caro impacta negativamente a atividade empresarial, o que pode gerar redução de renda, desemprego, e levar o país a uma recessão em determinadas situações.

Qual a relação do arcabouço fiscal com a dívida pública?

Como vimos, o propósito do arcabouço fiscal é estabelecer formas de controle da dívida pública.

Imagine que os gastos de um país cresçam em uma proporção superior ao PIB (Produto Interno Bruto), e que o governo não dê nenhuma sinalização de que possam ser controlados. Nesse caso, a tendência é de que as finanças públicas passem a despertar insegurança frente aos credores, pois quando se gasta acima da geração de riqueza, teoricamente o risco de calote é maior. Logo, nessa situação, os juros acabam subindo, justamente para compensar o risco de emprestar dinheiro para um governo muito endividado.

No entanto, juros altos encarecem o crédito, o que arrefece a disposição de se investir no setor produtivo do país. Com isso, a moeda local tende a se desvalorizar, o que pode agravar a inflação e, consequentemente, prejudicar o crescimento da economia e o poder aquisitivo da população.

Ou seja, gastos públicos sob controle auxiliam a manter a confiança nos rumos da atividade econômica. No entanto, quando se fala em finanças públicas, há economistas que defendem o aspecto anticíclico da economia, o qual veremos agora.

Política econômica anticíclica

Na economia, um movimento anticíclico, como o próprio nome sugere, significa atuar de forma contrária a um ciclo econômico, para que eventuais desequilíbrios possam ser impedidos ou corrigidos.

Por exemplo, em períodos de prosperidade, com bons níveis de emprego e renda, é natural que haja um aumento na disposição para o consumo. Esse crescimento da demanda leva as empresas a produzirem mais, e, consequentemente, a aumentarem as suas receitas e resultados.

Nessas horas, o governo pode aproveitar a fase de “vacas gordas” para aumentar a carga tributária e fazer uma reserva para períodos que, eventualmente, se mostrem menos aquecidos.

Agora imagine a situação contrária, de atividade desaquecida, retração no consumo e desemprego, por exemplo. É nesse momento que entra a política econômica anticíclica, que permite ao governo gastar mais com estímulos para impulsionar a economia, mantendo o fluxo de bens e dinheiro em circulação.

Ou seja, as reservas feitas no ciclo de expansão serão consumidas quando a população e as empresas precisarem de uma força extra. Conhecer esse caráter anticíclico é importante para entender as mudanças que o novo arcabouço fiscal trouxe em relação ao teto de gastos, conforme veremos a seguir.

Como funciona o novo arcabouço fiscal?

Basicamente, as novas regras fiscais irão atuar em quatro pontos básicos:

1 – Crescimento das despesas atrelado ao aumento das receitas

No antigo teto de gastos, o aumento das despesas públicas de um ano estava condicionado à evolução do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). Isso significa que o governo só podia gastar o equivalente à inflação medida no ano anterior.

Já o novo arcabouço fiscal prevê que o aumento de gastos acompanhe a evolução das receitas públicas, até o limite de 70%. Por exemplo, se de um ano para o outro a arrecadação crescer 2%, o governo só poderá gastar 1,4% a mais.

Para chegar no valor que pode gastar no próximo ano, o governo usa como base as receitas primárias líquidas dos últimos 12 meses até junho do ano corrente. Por sua vez, as receitas primárias líquidas (ou não financeiras) são aquelas originadas de tributos, transferências recebidas de outros entes públicos e royalties, por exemplo, deduzidas das transferências obrigatórias a determinados entes.

“Com as regras anteriores, em períodos de recessão era preciso cortar tanto os gastos que isso prejudicava o movimento de recuperação da economia. Os exemplos são muitos, basta ver a quantidade de obras públicas inacabadas que ainda temos. Ou seja, tínhamos um problema tanto na expansão quanto na retração econômica”, explicou Haddad no anúncio do novo arcabouço fiscal.

Para o ministro, fazer as despesas acompanharem a trajetória da receita trará uma trajetória consistente de resultado primário. “Isso amplia o espaço para dar  sustentabilidade às contas públicas, mas sem rigidez absoluta, pois as demandas sociais estão aí e precisam ser atendidas, de maneira responsável”, complementou.

Ficam de fora dessa regra os gastos com saúde e educação, que sofreram drásticas reduções nos últimos anos. Essas despesas voltarão a ser reajustadas pelas regras anteriores ao teto de gastos, que previa crescimento de 15% da receita líquida para a saúde, e de 18% para a educação. Inclusive, o fundo da educação básica (Fundeb) e o piso da enfermagem, que já foram aprovados pelo Congresso, também estão de fora das novas normas fiscais.

2 – Existe um teto e um piso para o aumento das despesas

O aumento real das despesas (descontada a inflação) ficará dentro de uma banda que vai de 0,6% a 2,5%, já prevendo um teto e um piso para determinadas situações.

Por exemplo: suponha que, de um ano para outro, o crescimento da receita primária líquida seja de 5%. Pelo cálculo dos 70%, seria permitido ao governo aumentar as despesas em 3,5% (ou seja, 70% de 5%). Porém, o teto do aumento deverá respeitar os 2,5%, justamente para que se possa formar uma reserva para períodos de maior contração na economia.

Por outro lado, se as receitas não crescerem, ou evoluírem de forma pouco expressiva nos 12 meses de referência, pode-se aumentar os gastos públicos em 0,6%. Dessa forma, segundo Haddad, o governo evita situações de rigidez no orçamento, nas quais não consegue lidar com excepcionalidades.

Quanto ao piso de 0,6%, o ministro informou que o percentual foi estabelecido em função de um “crescimento vegetativo” verificado desde a promulgação do antigo teto de gastos. Já em relação ao teto de 2,5%, afirma que a limitação é importante porque esse é justamente o colchão que o governo precisa ter para as fases ruins.

“Isso evita que o Estado se desorganize, sobretudo quando está envolvido o direito do cidadão aos serviços constitucionalmente estabelecidos. Dessa forma, há mais segurança não só para o empresário que quer investir, mas também para as famílias que precisam do apoio do governo”, explica Haddad.

3 – Se a meta não for alcançada, a despesa deverá reduzir mais no ano seguinte

O novo arcabouço fiscal também contempla o compromisso de reduzir o atual déficit fiscal, que é quando as despesas superam as receitas. De acordo com o governo, a proposta visa zerar esse déficit até 2024 e, a partir de 2025, alcançar um superávit fiscal de 0,5% do PIB, obedecendo uma banda de 0,25% para cima e para baixo.

Ou seja, o superávit fiscal deverá ficar entre 0,25% e 0,75% do PIB a partir de 2025. Se isso não acontecer, para o ano seguinte as despesas só poderão aumentar em 50% sobre o crescimento da receita, e não mais 70%.

Antes das novas regras fiscais, a meta de superávit primário era um valor fixo, o que, na opinião de Haddad, não fazia muito sentido. “ Você não crava um número e sai correndo atrás dele com dois dígitos depois da vírgula, como se fazia no Brasil. Em vez disso, acompanha-se uma trajetória, e se as metas não forem atingidas e ficarem aquém da banda, há mecanismos de correção para o ano seguinte”, explicou o ministro.

Piso para os investimentos, com flexibilidade caso as receitas cresçam acima do esperado

A proposta também contempla um piso de cerca de R$ 75 bilhões, corrigidos pela inflação de cada ano, para investimentos. Caso haja uma sobra de recursos superior à banda que vimos anteriormente, esse excedente pode ser utilizado pelo governo para novos investimentos em obras voltadas à população.

Haverá aumento de impostos?

No comunicado à imprensa, Haddad deixou claro que a prioridade do governo não é o corte de gastos, mas sim o aumento da arrecadação tributária. No entanto, afirmou que novos impostos ou majoração de alíquotas dos já existentes não estão no horizonte do governo.

“Não estamos pensando em CPMF, em acabar com o Simples, ou em reonerar folha de pagamento. O que ocorre é que temos muitos setores que foram demasiadamente favorecidos com regras estabelecidas ao longo de décadas, e que não foram revistas por nenhum controle de resultado. Muitas dessas regras caducaram do ponto de vista de eficiência e precisam ser revogadas. Ao longo do ano, nós encaminharemos as medidas saneadoras que darão consistência ao resultado previsto neste anúncio”, pontuou Haddad.

Ainda não há uma definição clara de quais setores são esses. Nos últimos tempos, um dos que entrou na mira da regulamentação foi o de apostas eletrônicas, o que, consequentemente, o incluiria na base tributária.

Outra medida prevista pelo governo é a mudança na tributação de fundos exclusivos de investidores. Há tempos, a Receita Federal defende essa mudança, que já teve algumas tentativas frustradas em governos anteriores.

“Se quem não paga impostos começar a pagar, todos nós pagaremos menos juros. Mas, para que isso aconteça, quem está fora do sistema tributário precisa vir para dentro dele”, afirmou o ministro da Fazenda.

Quando começam a valer as novas regras fiscais?

Na coletiva de 30 de março, Haddad disse que ainda era preciso concluir o texto do novo arcabouço fiscal. Mas a expectativa é de que o projeto seja encaminhado ao Congresso ainda nos primeiros dias de abril.

A princípio, a matéria deve começar a tramitar como um projeto de lei complementar na Câmara dos Deputados, que necessita de aprovação por maioria absoluta. Isso corresponde ao voto favorável de 41 senadores e 257 deputados federais.

Em relação ao prazo, não existe uma data certa para a votação do texto. Segundo o senador Humberto Costa (PT-PE), pelo fato de a proposta ter sido bem aceita até mesmo pela oposição, a expectativa é de uma tramitação rápida. Nesse sentido, o líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), afirmou que “o espírito na Casa é de colaboração”.

Existe também a possibilidade de o plenário aprovar a tramitação do projeto em regime de urgência, o que depende de um acordo entre as lideranças. Ou mesmo o presidente Lula pode solicitar urgência e, nesse caso, a proposta deverá ser votada em 45 dias. Caso contrário, passaria a bloquear a pauta da Câmara ou do Senado, dependendo de onde estivesse no final desse prazo.

Depois de a Câmara avaliar um projeto de lei complementar, ele vai para apreciação do Senado. Se não houver nenhuma mudança, o texto segue para sanção do presidente da República.

Porém, se os senadores modificarem o texto, é preciso que o projeto retorne à Câmara para que os deputados avaliem se concordam ou não com as alterações. Nesse caso, somente depois de uma nova votação é que o projeto é encaminhado para sanção do chefe do Executivo.

Quais investimentos podem ser afetados por mudanças no arcabouço fiscal?

Em relação ao mercado de capitais, Gabriel Maksoud, CEO da DOM Investimentos, acredita que as novas regras fiscais poderiam favorecer primeiramente as ações ligadas ao varejo, construção civil e outras associadas à economia doméstica.

Isso porque, com as expectativas de inflação ancoradas, é provável que o dólar caia e a inflação projetada fique mais próxima da meta. “Dessa forma, o Banco Central poderia começar a baixar os juros, o que impactaria positivamente o mercado como um todo”, avalia.

Fernando Siqueira, head de Research da Guide Investimentos, também concorda com essa projeção. “Desde as eleições, já se falava em possíveis benefícios para o consumo de primeira necessidade, construção focada em baixa renda e talvez empresas de educação com a vitória de Lula, exatamente nessa ordem”, observa.

Segundo ele, o que está mais claro até o momento por parte do governo é o foco no Bolsa Família. Já o programa Minha Casa, Minha Vida ficaria em segundo lugar em termos de prioridade e, por fim, o aumento de gastos contemplaria o Fies, programa de financiamento ao estudante do ensino superior.

“Mesmo que não se saiba ao certo quais as áreas privilegiadas pelo atual governo, o fato é que o arcabouço fiscal dá mais conforto ao Banco Central em relação ao equilíbrio das contas públicas. Isso libera a entidade para começar a reduzir os juros, o que achamos que acontecerá ainda este ano”, avalia Siqueira.

Para o head da Guide, a bolsa como um todo seria beneficiada pela queda dos juros, mas especialmente as small caps. Por necessitarem de investimentos constantes, essas empresas costumam ser as mais endividadas, o que prejudica o seu resultado em momentos de custo do dinheiro mais alto.

Outro fator que beneficia essas empresas com a Selic mais baixa é o fato de elas serem quase que totalmente à economia brasileira. No caso do Ibovespa, cerca de 40% do peso está em commodities, ou seja, em empresas voltadas majoritariamente para o mercado externo.

“Isso não reflete as das small caps, que atuam basicamente na economia doméstica, como varejo, shoppings, logística e demais setores que se beneficiam de um mercado interno aquecido. Ou seja, os juros baixos ajudam as empresas de crescimento nas duas pontas: no custo de captação e no aquecimento do mercado”, observa Siqueira.

Por Carla Carvalho