- Crédito da Foto: Tânia Rêgo /Agência Brasil - Publicado em: 8 de fevereiro de 2023
Dez meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia, Netanyahu voltou ao cargo e ficou muito menos amigável com o presidente russo
Nota do editor: Anshel Pfeffer (@anshelpfeffer) é escritor do Ha’aretz e correspondente em Israel do The Economist. Ele é o autor de “Bibi: The Turbulent Life and Times of Benjamin Netanyahu”. As opiniões expressadas aqui são particulares.
Muito antes do início da atual guerra na Ucrânia, quase um ano atrás, Israel manteve estrita neutralidade nas hostilidades entre a Rússia e a Ucrânia. Isso pode estar prestes a mudar.
Desde que chegou ao poder no final de 1999, o presidente russo, Vladimir Putin, tem se esforçado para cortejar a liderança israelense. Ele fazia questão de realizar uma reunião pelo menos uma vez por ano com o primeiro-ministro israelense em exercício, geralmente em suas residências em Sochi ou Moscou, e a cada poucos anos ele viajava para Jerusalém.
Um ex-diplomata russo me explicou que “Putin respeita a força e vê Israel como um país forte com o qual deseja manter boas relações”.
O mesmo vale para os líderes de Israel, especialmente para Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro mais antigo do país, que voltou ao cargo no final de 2022.
Netanyahu estava tão orgulhoso do que alegou ser um relacionamento próximo com Putin que em 2019 usou fotos deles juntos como parte de sua campanha eleitoral. Ele afirmou em várias ocasiões que o relacionamento deles era vantajoso para os interesses estratégicos de Israel.
Um exemplo disso foi quando a Rússia enviou pela primeira vez seus militares para a Síria devastada pela guerra em setembro de 2015 para apoiar o regime encharcado de sangue do presidente Bashar Assad. Em poucos dias, Netanyahu estava em Moscou à frente de uma delegação militar para uma reunião não programada com Putin.
Os dois líderes chegaram a um acordo segundo o qual Israel continuaria a operar no espaço aéreo sírio, mas só atacaria alvos ligados ao seu inimigo Irã, deixando as forças de Assad intocadas. Um “mecanismo de desconflito”, incluindo uma linha direta entre o centro de comando russo na Síria e o quartel-general da força aérea de Israel, foi rapidamente estabelecido.
Ao longo dos anos, autoridades israelenses têm se esforçado para enfatizar que, embora o principal aliado estratégico de Israel continue sendo os Estados Unidos, era crucial manter a coordenação com os russos.
Em 2014, apesar da pressão de Washington, Israel se recusou a se juntar aos governos ocidentais na condenação da anexação da Crimeia pela Rússia. A estrita neutralidade deveria ser mantida o tempo todo.
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia em 24 de fevereiro do ano passado, Netanyahu não estava no cargo. O primeiro-ministro era Naftali Bennett e ele manteve a política de neutralidade.
Bennett me explicou que “não estamos na mesma posição que outros países. Temos a Rússia logo após nossa fronteira na Síria. Temos que levar em consideração a presença de grandes comunidades judaicas na Rússia e na Ucrânia, que podem ser afetadas. Além disso, é útil para todos ter um governo como o de Israel, que tem bons laços com os dois lados para servir de intermediário”.
Nas primeiras semanas da guerra, Bennett embarcou em uma missão de paz na qual visitou Putin no Kremlin e teve várias conversas com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Ele insiste que “havia 50% de chance de chegar a um cessar-fogo, mas infelizmente falhou”. Ele também afirma que seu envolvimento ajudou a intermediar tréguas locais de curto prazo, o que permitiu salvar civis da zona de guerra.
Qualquer esperança de um cessar-fogo desapareceu há muito tempo, e a Ucrânia desde então solicitou publicamente que Israel ajudasse a fornecer armas, especialmente com sistemas de defesa antimísseis como o Iron Dome. Israel enviou ajuda humanitária, mas se recusou a enviar armas.
Nos últimos meses, quando a Rússia começou a usar drones iranianos para atacar alvos ucranianos, Israel concordou em fornecer a Kiev, por meio da Otan, inteligência e informações técnicas sobre como combater a ameaça dos drones iranianos.
Nem todos na liderança israelense concordaram com a política neutra de Bennett. Seu parceiro político e então ministro das Relações Exteriores, Yair Lapid, foi mais direto ao condenar publicamente os crimes de guerra russos na Ucrânia.
As opiniões também foram divididas no estabelecimento de segurança do país. Um general israelense me disse que “o medo da Rússia é exagerado e Israel poderia ter dado muito mais apoio à Ucrânia sem medo de retaliação”.
Dez meses após a invasão russa, Netanyahu voltou ao cargo. De repente, ele ficou muito menos amigável com Putin. Ele recebeu um telefonema de parabéns dele uma semana antes de sua posse, mas isso foi tudo. Enquanto isso, em entrevistas à imprensa, ele disse que está reconsiderando a política de Israel na guerra da Ucrânia, embora não tenha especificado nenhum detalhe.
Um general israelense me disse que ‘o medo da Rússia é exagerado e Israel poderia ter dado muito mais apoio à Ucrânia sem medo de retaliação’
Anshel Pfeffer
“Netanyahu tem duas razões imediatas para mudar a política e apoiar a Ucrânia”, disse-me um ex-oficial da inteligência israelense que estava profundamente envolvido no relacionamento militar de Israel com a Rússia.
“Primeiro, a Rússia diluiu muito suas forças na Síria, pois eram necessárias na Ucrânia. A ameaça deles para Israel agora é insignificante”, disse o oficial.
“Em segundo lugar, a Rússia agora está usando drones e mísseis iranianos no campo de batalha e Israel agora tem uma oportunidade valiosa de fornecer à Ucrânia sistemas de defesa para que possamos ver como eles se saem bem em uma guerra real. Um dia podemos ter que enfrentar as mesmas armas iranianas”, acrescentou o oficial.
Um diplomata israelense acrescenta outra razão pela qual Netanyahu consideraria apoiar a Ucrânia com mais força. Ao contrário do governo Bennett-Lapid, sua nova coalizão de partidos de extrema direita e ultrarreligiosos é vista com desconfiança pelo governo Biden, que já manifestou seu descontentamento com os planos do novo governo de reforma legal, que enfraquecem drasticamente os poderes e a independência da Suprema Corte de Israel.
Na semana passada, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, visitou Jerusalém e, ao contrário de visitas anteriores, não estendeu ao primeiro-ministro um convite à Casa Branca.
Uma mudança israelense em direção a Kiev pode ser a melhor esperança de Netanyahu para obter o favor de Washington.
Anshel Pfefferda CNN