Publicado em: 12 de janeiro de 2019
Diversos fatos contribuíram para a atual crise política, econômica e social venezuelana, agravada esta semana com a recusa de diversos países em reconhecer a legitimidade do segundo mandato presidencial de Nicolás Maduro.
Como a Venezuela chegou ao estado atual
A posse de Nicolás Maduro para seu segundo mandato como presidente, na quinta-feira (10), voltou a chamar atenção para a conturbada situação da Venezuela.
Com sua legitimidade questionada por diversos países e órgãos internacionais, a reeleição de Maduro é o mais recente capítulo no tortuoso caminho da democracia do país.
Há mais de 15 anos o país atravessa uma crescente crise política, econômica e social, que resulta em um êxodo cada vez maior de venezuelanos.
Veja a seguir os principais fatos que contribuíram para que a situação na Venezuela chegasse ao nível atual.
Golpe contra Chávez
Hugo Chávez, que havia sido eleito em 1999, sofreu uma tentativa de golpe de Estado em 2002, que durou quase 48 horas. Durante esse período, o empresário Pedro Carmona se proclamou presidente, decretando a dissolução de todos os poderes públicos. Mas militares leais reconduziram Chávez ao poder.
Em 2004, já em seu segundo mandato, o presidente sofreu um novo revés, quando a oposição reuniu assinaturas suficientes para a realização de um referendo revogatório, em que a população deveria confirmar ou não sua continuidade no cargo. Chávez saiu vitorioso com 59,1% dos votos e ficou. Depois disso, voltou a se reeleger mais duas vezes, em 2006 e 2012.
Foi a partir da tentativa de golpe e do ataque mais duro da oposição que Chávez endureceu seu discurso e sua defesa do socialismo bolivariano. Ele promoveu uma série de reformas na Constituição que havia promulgado em 1999, durante seu primeiro mandato, ampliando seus poderes.
Hugo Chávez no dia de sua posse como presidente da Venezuela, em 1999 — Foto: Reuters/Kimberly White/File Photo
As reformas incluíam a reeleição indefinida – que o levaram a ficar no cargo até sua morte, em março de 2013 – o aumento de seus poderes para decidir promoções militares e a política monetária junto ao Banco Central, e a suspensão dos direitos a um julgamento justo durante o estado de exceção. Na época, a oposição considerou essa reforma um golpe de Estado e as tensões aumentaram.
Controle da Corte Suprema e do Judiciário
Em 2003, aproveitando a maioria chavista no Parlamento, o presidente conseguiu ampliar o número de juízes integrantes da Corte Suprema venezuelana, passando de 20 a 32. Com 12 novos magistrados nomeados por seus partidários, ele passou a ter poucas dificuldades em bloquear iniciativas da oposição. Um dos líderes da oposição na época, Gerardo Blyde, declarou após a medida que “se o Judiciário for controlado pelo governo, o governo não estará sujeito a nenhuma forma de controle”.
Chávez recebeu ainda uma carta da Comissão Internacional de Juristas, na qual foi advertido sobre os perigos de a reforma do Supremo pôr fim à independência do Judiciário na Venezuela.
Repressão a manifestantes e prisão de oposicionistas
Os primeiros grandes protestos contra o governo venezuelano aconteceram em 2014, no primeiro mandato de Nicolás Maduro. Naquele ano, o preço do petróleo desabou e o país já enfrentava sinais de crise econômica.
Em 12 de fevereiro, três pessoas morreram em uma manifestação. Até junho as mortes somaram 43. O líder oposicionista Leopoldo López, que convocou partidários para irem às ruas, foi preso. No ano seguinte, ele foi condenado a 15 anos de prisão e em 2017 foi transferido para prisão domiciliar, onde permanece, por questões de saúde.
Leopoldo López comemora com bandeira da Venezuela, em julho de 2017, sua transferência para prisão domiciliar, em Caracas — Foto: Juan Barreto/AFP
Em fevereiro de 2015, o ex-prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, também foi preso por incitar as manifestações, acusado de conspiração e associação para delinquir. Em abril daquele ano, obteve o benefício da prisão domiciliar por razões de saúde e em 2017 fugiu para a Colômbia, e de lá para a Espanha.
Em 2015, a resposta à repressão veio na forma de derrota nas urnas: a oposição conquistou a maioria na Assembleia Nacional, mas o poder dos oposicionistas não durou muito, já que no ano seguinte o Supremo declarou que a Câmara estava “em desacato” por dar posse a três deputados cujas vitórias foram contestadas.
Em 1º de setembro de 2016, um milhão de venezuelanos protestaram contra Maduro, exigindo um referendo para encurtar o mandato do presidente. Em 21 outubro, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) suspendeu o referendo revogatório e a oposição voltou às ruas.
Os protestos voltaram a explodir em 2017: com mais de 100 dias de duração e mais de 100 mortes, deixaram um saldo de destruição, desaparecimentos, prisões e ainda mais repressão. Segundo o Sindicato Nacional de Trabalhadores da Imprensa, 69 meios de comunicação fecharam na Venezuela em 2017 em meio a uma escalada de agressões contra jornalistas.
Corpo de manifestante pega fogo após explosão de tanque de gás durante protesto em Caracas, Venezuela — Foto: Ronaldo Schemidt/AFP
Em meio aos confrontos, em junho homens usaram um helicóptero da polícia legista para lançar granadas contra o Tribunal Supremo de Justiça e dispararam contra a sede do Ministério do Interior e Justiça. O autor do ataque, posteriormente identificado como Oscar Pérez, divulgou vídeos exigindo a renúncia de Maduro. Pérez foi morto em uma ação policial em janeiro de 2018, na periferia de Caracas.
Outro ataque a autoridades, desta vez contra o próprio presidente, aconteceu em agosto. Maduro discursava em um evento militar quando drones explodiram. Ele acusou os Estados Unidos e a Colômbia de estarem por trás de uma “tentativa de assassinato”.
Mais de dois meses depois, um vereador da cidade de Libertador, supostamente envolvido no caso, Fernando Albán Salazar, morreu enquanto estava no prédio do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin), em Caracas, aguardando transferência para um tribunal. Segundo o Ministério Público venezuelano, ele cometeu suicídio ao se atirar de uma janela do décimo andar, mas o partido de Albán, o Primero Justicia, diz que ele “morreu assassinado nas mãos do regime de Nicolás Maduro”.
Em 2018, os protestos foram drasticamente reduzidos e se acentuou o movimento migratório, elevado desde 2015. Segundo cálculos da ONU, em agosto houve um pico, com até 18 mil pessoas deixando a Venezuela por dia, mas este número caiu para 5 mil no final do ano. Ainda assim, a previsão é de que até o fim de 2019 haverá 5,3 milhões de migrantes e refugiados venezuelanos.
Assembleia Constituinte
Em 2017, ano em que o país viveu o auge de manifestações violentas, que resultaram em mais de 100 mortes, Nicolás Maduro anunciou que convocaria uma nova Assembleia Constituinte para “promover a paz”. Por lei, a medida deveria ser aprovada em um referendo, mas isso não aconteceu.
A oposição chegou a realizar um plebiscito simbólico, que teve mais de 7 milhões de votos, com 98,4% contrários à formação da Constituinte. Ainda assim, o governo levou seu plano adiante, e com apenas 41,53% dos eleitores se manifestando, foram eleitos 545 deputados – todos chavistas, já que a oposição se recusou a participar do processo para não legitimizá-lo.
A votação foi marcada por protestos, com dez mortes e dezenas de prisões e, assim como em outras votações na Venezuela, forte repercussão negativa internacional e mensagens de países de que o resultado não seria reconhecido.
Constituintes fazem juramento na instalação da Assembleia Constituinte da Venezuela, em 4 de agosto de 2017 — Foto: Reuters/Carlos Garcia Rawlins
Duas semanas após sua posse, a Assembleia Constituinte aprovou por unanimidade um decreto que permitiu ao órgão assumir o poder de aprovar leis, competência que cabia anteriormente ao Congresso. A partir de então, o Parlamento dominado pela oposição passou a ter suas decisões ignoradas e o governo passou a se relacionar com a Constituinte como sendo este o órgão legislativo do país.
A Assembleia Constituinte destituiu do cargo a procuradora-geral da Venezuela, a ex-chavista Luisa Ortega Díaz, que havia denunciado uma “ruptura constitucional” no país, e passou a definir datas de eleições, entre outras atribuições.
Mudanças nas datas de eleições
A mudança de datas de eleições se tornou constante durante o governo de Maduro, especialmente após a eleição da Assembleia Nacional Constituinte. Além disso, partidos e candidatos de oposição são frequentemente impedidos de participar dos pleitos por motivos burocráticos, gerando acusações de que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) se alia ao governo.
Entre os exemplos recentes estão as eleições para governador, que deveriam ter acontecido em dezembro de 2016, mas foram adiadas por seis meses. Em 23 de junho de 2017, foi anunciado que elas só seriam realizadas em 10 de dezembro daquele ano. Ao final, a Assembleia Constituinte mudou de ideia e marcou a data para 15 de outubro. Com pesquisas indicando que os chavistas deveriam perder a maioria dos estados, a Mesa da Unidade Democrática, coalizão que unia a oposição, não foi autorizada a disputar eleições em sete dos 23 estados do país.
Outro caso foi a eleição para presidente na qual Maduro se reelegeu: inicialmente marcada para o final de 2018, foi remarcada para “até 30 de abril” pela Constituinte e fixada em 22 de abril. Por fim, a data definitiva foi 20 de maio de 2018.
Reeleição de Maduro
Em 20 de maio de 2018, Maduro foi reeleito para mais seis anos em eleições que tiveram horário ampliado, denúncias de fraude, tentativa de boicote da oposição, abstenção de 54% e falta de reconhecimento por grande parte da comunidade internacional. Imediatamente diversos países e órgãos internacionais se recusaram a reconhecer a legitimidade de sua vitória.
A posse aconteceu quase oito meses depois, em 10 de janeiro, e Maduro prestou juramento perante o Tribunal Supremo de Justiça, já que o governo considera que a Assembleia Nacional está em desacato desde 2016, e esta, por sua vez, não reconhece o resultado das eleições.
Nicolás Maduro recebe faixa presidencial durante cerimônia de posse como presidente da Venezuela — Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters
Em seu discurso, o presidente reeleito disse que a Venezuela está no “centro de uma guerra mundial”, conflito que, nas palavras dele, é travado por “governos satélites dos Estados Unidos”.
A oposição política venezuelana e diversos países – entre eles, os Estados Unidos, o Canadá e os membros do Grupo de Lima, do qual o Brasil faz parte – não reconhecem a legitimidade do novo mandato de Maduro. A Organização dos Estados Americanos (OEA) também declarou, nesta tarde, que não vai reconhecer o governo do socialista.
A maioria dos países latino-americanos, incluindo o Brasil, além de Estados Unidos e nações da União Europeia, não enviaram nenhum representante para a posse. No dia da cerimônia, o Paraguai rompeu relações com a Venezuela.
Por G1