Bahia, 26 de dezembro de 2024 às 22:30 - Escolha o idioma:

Governo de São Paulo convoca cúpula da PM para debater letalidade policial


- Crédito da Foto: (Imagem: Wallace Silva/Fotoarena/Folhapress) - Publicado em: 5 de dezembro de 2024


Os casos recentes de violência policial em São Paulo reacenderam o debate sobre a gestão da segurança pública no estado. Sob a liderança do governador Tarcísio de Freitas e do secretário Guilherme Derrite, os números da letalidade policial cresceram 54% em comparação ao ano anterior, segundo o Ministério Público. Os episódios que marcaram os últimos dias, como o policial que jogou um homem rendido de uma ponte e outro que atirou 11 vezes contra um jovem desarmado, ilustram o clima de tensão.

Diante das críticas, o governador saiu em defesa de Derrite. “Olhe os números, você vai ver que está [fazendo um bom trabalho]”, afirmou Tarcísio em Brasília, destacando a necessidade de medidas contra desvios de conduta. Ele convocou uma reunião extraordinária com a cúpula da PM, enquanto o comandante-geral, coronel Cássio Araújo, reconheceu a gravidade dos casos e prometeu punições individualizadas aos responsáveis.

Aumento de mortes preocupa autoridades e sociedade civil

Desde o início da gestão Tarcísio, os índices de letalidade policial passaram por uma escalada significativa. Foram 712 mortes em 2024, comparadas a 396 em 2022, último ano da gestão tucana no estado. O coronel Araújo atribuiu os números ao aumento da atividade operacional da PM, mas garantiu que a corporação trabalha para evitar excessos. “O cidadão quer uma presença policial, mas dentro dos limites da lei. Estamos apurando rigorosamente os desvios”, disse.

Apesar das declarações, as imagens de policiais agindo com violência extrema não combinam com as medidas de punição administrativa aos envolvidos. Por isso, suscitam críticas de entidades de direitos humanos e lideranças sociais. Para Adilson Souza Santiago, presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), a problemática vai além de casos isolados.

“Trocar o dono do pomar”

Adilson Souza Santiago, presidente do Condepe

Em entrevista ao Portal Vermelho, Santiago foi enfático ao criticar a gestão estadual e a tentativa de criar uma nova ouvidoria subordinada ao secretário Derrite, vista por ele como uma medida para “acobertar as atrocidades”. Ele defendeu mudanças estruturais. “O secretário mencionou que era uma maçã podre, mas não é. Ou trocamos as maçãs, o caixote, ou o dono do pomar. Enquanto os índices de violência aumentam, o governador acoberta esses casos inadmissíveis.”

Santiago também ressaltou que a violência policial tem direcionamento e reflete racismo estrutural. “80% das vítimas são negras, 40% têm menos de 18 anos. Isso não surge aleatoriamente, é uma repressão deliberada contra a população pobre e preta. Estamos vivendo um estado de horror.”

Controle externo fragilizado

A proposta do governo de criar uma nova ouvidoria para a Secretaria da Segurança Pública levantou preocupações. Entidades como a OAB de São Paulo alertaram que a medida pode enfraquecer os mecanismos de controle externo, já que o ouvidor será indicado pelo titular da pasta. Desde 1995, a Ouvidoria das Polícias tem desempenhado um papel crucial no acompanhamento e denúncia de abusos.

Para Santiago, a criação de uma nova estrutura subordinada à secretaria representa um retrocesso. “Essa ouvidoria chapa-branca é uma tentativa clara de evitar resolver os problemas concretos. Nenhum policial age sem orientação. Há um modus operandi claro.”

Nesta terça-feira, o Condepe representou na Defensoria Pública e no Ministério Público para que se proceda à instauração dos procedimentos para a apuração de eventuais inconstitucionalidades, vícios, incompatibilidades e outros tipos penais e cíveis em relação à criação de uma nova Ouvidoria das Polícias subordinada a Derrite. Esta medida surge em detrimento da Ouvidoria independente que vem sendo atacada por parlamentares de extrema-direita e gestores públicos do governo estadual por seu trabalho questionador dos abusos cometidos em operações policiais.

Medo e insegurança

A escalada de violência, segundo Santiago, tem gerado pânico na população. “Casos como o do Ryan [criança morta em Santos], do estudante da USP [Marco Aurélio Cardenas Acosta] e do homem jogado da ponte [Marcelo] mostram uma polícia que atira e mata nos espaços públicos. Esses agentes deveriam sair presos, não afastados administrativamente.”

Enquanto o governo promete investigar os casos e punir os responsáveis, a sociedade civil intensifica a pressão por mudanças efetivas. “Vamos até o final, ao lado da população violada, e exigir respostas dos órgãos competentes. A Secretaria de Segurança Pública não combate a violência; ela a reproduz”, concluiu Santiago.

Cenário de incertezas

Com a letalidade policial em alta, a gestão de Tarcísio de Freitas enfrenta críticas crescentes e questionamentos sobre sua capacidade de promover uma segurança pública que respeite os direitos humanos. Enquanto o governo tenta conter os danos à imagem da polícia, especialistas e organizações sociais apontam para a necessidade urgente de reformas estruturais, que vão desde o controle externo até a formação e orientação das forças de segurança.

César Xavier