- Crédito da Foto: Reginaldo Júnior /Portal MF - Publicado em: 7 de novembro de 2024
O evento contou com uma programação diversificada com música, capoeira, poesia, venda de artesanatos e a palestra da Professora Doutora, Bárbara Carine, idealizadora e Consultora Pedagógica da Maria Felipa (primeira escola afro-brasileira do Brasil), indicada 3 vezes ao Prêmio Jabuti de literatura.
Bárbara Carine compartilhou reflexões sobre uma educação antirracista, engajada e emancipatória, conceitos que ela desenvolve na sua obra ‘Como ser um educador antirracista’; também citou a importância da temática ‘Desafios para a valorização da herança africana no Brasil’ ter sido abordada na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) 2024. Com ampla bagagem profissional e pessoal, a autora aborda a temática em suas redes sociais por meio do perfil (@umaintelectualdiferentona), que já soma cerca de 600 mil seguidores no Instagram.
Em entrevista ao Jornal Folha do Estado, Bárbara Carine explicou o motivo de se considerar “Diferentona” no meio acadêmico. “Olha, é diferente no sentido de viver e de produzir minha intelectualidade. Eu vivo uma intelectualidade que se desassocia do eurocentrismo, do ‘brancocetrismo’, de um padrão intelectual, de uma métrica de produção intelectual, de referências teóricas que a gente tem que seguir e reverenciar, de metodologia de pesquisa, de escrita, de formas de se comunicar. Então eu sou disruptiva com esse processo e obviamente tenho muito desse lugar também de reconhecimento, enquanto uma mulher negra periférica, quilombola, que não negocia sua existência. Então se eu gosto de pagodão, eu vou continuar gostando de pagodão, não sou obrigada a gostar de música clássica porque sou intelectual. Se tiver minha cultura popular da minha quebrada, ela vai estar viva e vai estar presente comigo, na minha intelectualidade também. Eu não preciso abrir mão de quem sou para acolher uma dimensão intelectual pautada pela branquitude. Então acho que é por isso o intelectual de diferentona”, explica.
A escritora soteropolitana fala da exclusão no meio acadêmico, mesmo atuando em instituições estaduais e federais na Bahia, que é o Estado com a maior proporção de pessoas pretas no Brasil, de acordo com o IBGE. “O espaço onde trabalho nunca me parabenizou pelas três indicações do Jabuti que tive. É um lugar, é um espaço também de pensar uma não legitimação de uma intelectualidade, é um espaço também de pensar o não reconhecimento de uma luta, o não reconhecimento de uma produção intelectual reconhecida nacionalmente. É como se, bom, para o mundo é importante, mas aqui a gente não reconhece. Então, óbvio que esse racismo está presente na academia, nesse lugar de apagamento, o que percebo é isso. Mas, sinceramente, hoje estou falando isso, não é nenhuma dor, até já foi. Mas, hoje, aqui, é uma constatação, simplesmente”.
Homenageados
O evento, organizado pelos jornalistas Lurdes Rocha, Luís Santos e Frei Cal, contou com a participação de várias personalidades feirenses ativistas, na luta contra o racismo, como o cantor e compositor Gilsan, a educadora Hely Pedreira, Lourdes Santana, presidente do Grupo Odungê, Val Conceição presidente do Movi Afro, a arte educadora Carmem Silva, Luma Eduarda, atriz e poetisa, a escritora Carol Vilarinho, Mariane Oliveira, presidente da Comissão de Igualdade Social OAB/ Feira, o vereador Jhonatas Monteiro e do Secretário de Justiça e Direitos Humanos, Felipe Freitas, entre outros.
As personalidades foram homenageadas e reconhecidas por suas contribuições para a sociedade no palco, ao lado dos organizadores e da palestrante.
Escola Afro-Brasileira Maria Felipa
Bárbara é uma das fundadoras da Escola Afro- -Brasileira Maria Felipa, a primeira instituição de ensino afro-brasileira registrada pelo Ministério da Educação. A escola é um marco no sistema educacional brasileiro, oferecendo um currículo trilíngue (Português, Inglês e Libras) e focado na valorização da identidade negra e de acordo com a idealizadora, há uma pretensão de transformar a Maria Felipa em método.
“A gente não tem muita comunicação com o MEC, mas já teve comunicação com o Ministério da Igualdade Racial. No MEC, tudo que a gente tem hoje é um reconhecimento e autorização para funcionar enquanto escola. Mas, eu gostaria muito de construir parcerias com o Ministério da Educação, no sentido de abrir o nosso currículo, de abrir o nosso projeto político pedagógico para impulsionar outros projetos, para fortalecer outros planejamentos, inspirar outros projetos. Então acho que é uma escola, que sim, tem muito a ser replicada, sobretudo, nas instituições públicas de ensino. Há um interesse sim, em pensar em um sistema Maria Filipe de educação e que seja replicado por outras instituições, obviamente, a partir também das suas demandas territoriais, dos ajustes a esses múltiplos contextos. A gente tem um país de dimensão continental, com muitas culturas. Óbvio que essa coisa do método é uma coisa meio pasteurizada de aplicação, mas como uma referência para que as pessoas ajustem às diferentes realidades educacionais do nosso país”, diz.
“A gente está educando as crianças, a gente está se organizando de perspectiva comunitária, assistindo a políticas e condições, mesmo que pareçam que as vezes a gente não tem avançado e pensar até que estamos elevando muitas barreiras, mas temos sim, conquistado espaços inimagináveis. Então, vamos sofrer isso, não transformar em ‘oba, oba’ e entender que tem uma dimensão que possamos celebrar a nossa existência e ter uma perspectiva futura”.