Bahia, 29 de novembro de 2024 às 16:44 - Escolha o idioma:

Jurista detalha transição, fala de sigilo e explica se Bolsonaro pode não passar faixa para Lula


Publicado em: 11 de novembro de 2022


Diante de polarização, o especialista em Direito Eleitoral Neomar Filho conversou com o bahia.ba para explicar o que está previsto na legislação brasileira a respeito da transição

 

As eleições acirradas e o forte clima de violência política no país trouxeram incertezas sobre a transição de governo. Para exemplificar o ambiente de animosidade, o atual chefe do Executivo nacional, Jair Bolsonaro (PL), cogita sair do país para evitar o rito de passar a faixa para o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Diante de um cenário cheio de dúvidas, o bahia.ba conversou com o advogado, professor e consultor jurídico Neomar Filho, especialista em Direito Eleitoral, que explicou o que está previsto na legislação brasileira para guiar a mudança de poder no Palácio do Planalto.

“No governo federal existe uma lei que trata exatamente sobre a transição do governo. No âmbito federal, portanto, a gente tem uma legislação que foi criada na época do governo de Fernando Henrique Cardoso. Era uma Medida Provisória, mas ela foi convertida em lei, então, desde 2002 existe uma lei específica que trata da transição de governo a nível federal”, explicou o jurista, que é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP) e da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Bahia (OAB-BA).

Citada pelo jurista, a Lei 10.609/2002 prevê a formação de um grupo de transição dois dias após o fim do pleito, além de um orçamento específico, local para reuniões e 50 Cargos Especiais de Transição Governamental (CETG) remunerados, com a finalidade de preparar os atos do novo governo.

Cabe à gestão vigente dispor à equipe de transição acesso amplo a dados das contas públicas da União, atividades exercidas pelos órgãos e entidades, assim como a estrutura organizacional da administração pública.

“Na transição do governo federal existem os cargos que são ocupados por servidores públicos ou não, justamente pra realizar essa transição e esses cargos são remunerados. E, portanto, todo esse complexo de transição possui um orçamento específico”, pontuou.

O presidente pode ser punido se atrapalhar o processo de transição?

Questionado sobre eventuais dificuldades impostas pelo atual chefe do Executivo ao presidente eleito, Neomar afirmou que “não cabe ao governo que está deixando o poder criar qualquer embaraço ou dificuldade de acesso à informação para o novo governo que vai iniciar nos primeiros dias de janeiro do ano que vem”, destacando que as formalidades estão previstas em lei, portanto, todas as informações devem ser passadas “pra que o novo governo possa editar atos, renovar contratos, possa se inteirar do que será preciso fazer a partir da sua gestão”.

Com todo arcabouço legal a respeito da transição, a Lei 10.609/2002 não prevê punições em caso de descumprimento dos ritos por parte do presidente, mas o ordenamento jurídico brasileiro tem outras formas de enquadrar eventual tentativa de sonegar informações na sucessão presidencial.

“Não há nenhuma previsão de crime ou consequência na hipótese do governo que está saindo omita informações. Entretanto, existe no âmbito do direito administrativo, do direito constitucional, a ideia de que as informações no âmbito do governo são públicas, então elas devem ser passadas, necessariamente, à equipe de transição”, afirmou o advogado, reforçando que embora a lei específica não aponte punições, o regime de direito administrativo vigente do país dispõe de regras para coibir “embaraços” do tipo.

“A própria lei de improbidade, a própria legislação que rege os atos da administração pública dispõe de normas e regras que estabelecem práticas reprovadas no seu ordenamento jurídico. Ou seja, é possível que o governo que está deixando o poder, caso não passe as informações, caso haja embaraços, que seja responsabilizado. Tanto o governo, quanto seus agentes públicos”, pontuou Neomar Filho, lembrando que a nova equipe deve se apropriar das informações necessárias para haver continuidade dos serviços sem prejuízo à sociedade.

 

Quais são as obrigações por parte do governo eleito?

Se por um lado a gestão atual deve atender uma série de requisitos, o governo eleito também precisa respeitar os critérios da administração pública, incluindo a manutenção de dados sigilosos. “Se informações confidenciais forem passadas aos membros dessa equipe de transição, essas informações devem ser mantidas em sigilo”, explicou o especialista, lembrando, no entanto, que em casos que não atendam este critério “não há porque dispor de nenhuma obrigatoriedade nesse sentido, de preservar as informações, já que, em regra, as informações da administração pública devem ser publicizadas”.
Durante a transição, Lula pode derrubar sigilos de 100 anos impostos por Bolsonaro ?

Por meio de uma interpretação da Lei de Acesso à Informação, criada para assegurar a transparência na gestão pública, o presidente Jair Bolsonaro (PL) usou exaustivamente a imposição do sigilo de 100 anos.

Dentre as informações censuradas estão desde seu cartão de vacina, passando pelas visitas dos filhos ao Palácio do Planalto, até as investigações sobre a participação do ex-ministro da Saúde e então general da ativa do Exército, Eduardo Pazuello, em uma manifestação política no Rio de Janeiro.

Crítico da medida adotada pelo adversário, ainda durante a campanha pela presidência Lula prometeu para os primeiros dias de sua gestão realizar um “revogaço” dos sigilos impostos por Bolsonaro.

Apesar da ansiedade dos eleitores quanto aos conteúdos confidenciais, de fato, será preciso aguardar a posse do novo governo para eventualmente tomar conhecimento. “É a partir do início do novo governo que os atos como a baixa dos sigilos possam acontecer”, explicou o advogado. “Os atos como presidente da República apenas serão levados a efeito quando do efetivo começo do governo”, destacou.
O que acontece se, realmente, Bolsonaro decidir não entregar a faixa presidencial a Lula?

Após o silêncio de Jair Bolsonaro (PL) após o segundo turno das eleições e sua resistência em reconhecer publicamente de forma clara a vitória de Lula (PT), aliados relatam que do atual chefe do Executivo tem cogitado não participar da cerimônia de posse do adversário, em 1º de janeiro de 2023. Segundo interlocutores, ele planeja viajar ao exterior para não passar a faixa presidencial ao petista.

Apesar da inusual postura em uma democracia, a eventual ausência do mandatário ao lado do presidente eleito não implicaria em qualquer impedimento para a sucessão.

“O que se espera, como um agente público, como um chefe de Estado, é que ele, o presidente da República, compareça a essa cerimônia e que, de fato, passe a faixa para o presidente eleito, como a tradição durante toda a nossa democracia foi feito”, disse o jurista, explicando, no entanto, que a passagem da faixa é apenas “um ato simbólico, que visa um marco de mudança de governo”.

Segundo Neomar Filho, na hipótese de Bolsonaro não comparecer à cerimônia, o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que já havia se oferecido para a incumbência, pode substituí-lo.

Bahia.ba