Publicado em: 21 de março de 2022
Em discurso ao Parlamento, presidente da Ucrânia cobra ajuda e sanções do país à Rússia, mas erra a mão ao traçar paralelos da guerra de Putin com o Holocausto
Foi dura a cobrança do judeu Volodymyr Zelensky ao governo de Israel, que tem ensaiado uma mediação com a Rússia para pôr fim à guerra de Putin. Num discurso de dez minutos, transmitido por zoom aos legisladores do Parlamento, ele tocou várias vezes num ponto mais do que traumático para os judeus – o Holocausto – ao traçar paralelos com o desespero da população ucraniana diante da invasão russa.
O tom amargo do presidente da Ucrânia surpreendeu o governo, deputados e israelenses que assistiram ao pronunciamento transmitido pelas principais emissoras e boicotado por legisladores da Lista Árabe.
O apelo de Zelensky por armas e ajuda à Ucrânia deveria sensibilizar o público, como ocorreu em outros países, mas acabou em segundo plano quando ele comparou os efeitos da guerra promovida pela Rússia ao extermínio de judeus pelo regime nazista.
Em vez de causar a empatia habitual, o presidente ucraniano errou a mão. Zelensky tentou convencer os israelenses de que a Rússia planeja uma solução final – termo invocado para definir a morte de seis milhões de judeus – para a questão ucraniana.
“Nosso povo agora está vagando pelo mundo, em busca de segurança, como vocês já fizeram uma vez”.
Ele sugeriu que Israel deveria salvar ucranianos como os judeus foram salvos por eles há 80 anos. Omitiu, no entanto, o papel da milícia colaboracionista dos nazistas que atuou em seu país e contribuiu nos massacres executados durante a Segunda Guerra.
O Yad Vashem, o Museu do Holocausto de Israel, condenou a banalização e a distorção de fatos históricos descritos pelo presidente ucraniano. Deputados israelenses se mostraram solidários com a cobrança do presidente do país que há três semanas vem sendo brutalmente atacado pela Rússia, mas criticaram a tentativa de Zelensky reescrever a História.
O presidente ucraniano estava certo ao questionar Israel por ter optado por não enviar munições e não aplicar sanções à Rússia, como fizeram seus aliados do Ocidente. O país mandou ajuda humanitária, mas não os equipamentos de defesa antimísseis, como o Iron Dome, pedidos por Zelensky, que atenuariam os ataques russos. Recebeu refugiados ucranianos, mas impôs claros limites à imigração.
O premiê de Israel, Naftali Bennett, assumiu o papel de mediador para tentar encerrar o conflito, sem, contudo, confrontar diretamente Vladimir Putin. Mais de 10% da população israelense têm origens relacionadas à antiga URSS. E a presença da Rússia na Síria evita, de certo modo, a ingerência do Irã no país que faz fronteira com Israel.
“O que é isso? Indiferença? Cálculo político? Mediação sem escolher lados? Quero salientar que a indiferença mata e os cálculos podem estar errados. É possível mediar entre os países, mas não entre o bem e o mal”, atestou Zelensky ao Parlamento israelense.
Mais uma vez, o líder da Ucrânia ocultou que foi ele quem deu o aval para que Bennett se empenhasse em interceder em favor de seu país junto ao presidente russo. Mais tarde, após a repercussão negativa do discurso em Israel, Zelensky capitulou, num vídeo publicado em suas redes sociais: agradeceu a Bennett por manter as negociações e disse esperar que ele e Putin se encontrem, “mais cedo ou mais tarde”, em Jerusalém.
Especializada em temas internacionais, foi repórter, correspondente e editora de Mundo em ‘O Globo’