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O Melhor Interesse da Criança na Regulação do Direito de Visitas Frente a COVID-19.


Publicado em: 22 de julho de 2020


22 de julho de 2020

Dúvidas não restam que a pandemia mundial ocasionada pelo COVID-19, trouxe mudanças diversas na vida das pessoas. O impacto se deu de forma direta e ainda mais sentida nas relações familiares, em que pais e filhos tiveram que reformular relações de afeto, amor e, inclusive, o exercício do direito de visitas, em meio ao caos trazido pela pandemia.

Diante do chamado “novo normal”, o amparo ao melhor interesse da criança nunca se fez tão urgente e necessário. Nos casos em que o judiciário já promoveu a devida regulamentação de visitas, novos contornos devem ser estabelecidos diante da realidade familiar e do risco ao qual a criança e as famílias estejam expostas, promovendo a real e devida proteção à criança e ao adolescente.

Trata-se antes de tudo, de direito fundamental insculpido na Constituição Federal de 1988, que no seu artigo 227 que diz:

CF: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (Grifos nossos).

Norma especial, que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), reafirma a norma constitucional, estabelecendo tal proteção como dever de todos (Art. 3º e 4º).

Art. 3o A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. (Grifo nosso).

Art. 4o É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (Grifo nosso). Ainda no que toca a proteção de crianças e adolescentes, o Código Civil traz um capítulo especial para tratar do tema. O Capítulo XI, do Livro IV – Direito de Família, traz com uma das formas de proteção da pessoa dos filhos, a possibilidade de visitação do pai ou mãe, em cuja guarda não estejam estes, dispondo no caput do seu Art. 1.589 que:

Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.

Não atoa, o direito de visitação é visto como uma das formas de proteção e interesse da criança e do adolescente, todavia, a primazia é sempre da proteção do bem maior da vida. Sendo assim, o direito de visitação poderá sofrer mitigação quando o ambiente ao qual esteja exposta a criança ou o adolescente, implique em riscos à sua saúde e ao seu desenvolvimento integral.

A análise da situação familiar específica é essencial. Isto porque caberá ao judiciário, caso os genitores não cheguem a um consenso de visitação, o cumprimento do seu papel jurisdicional, validando o melhor meio à proteção, com o estabelecimento de novas regras de visitas, inclusive com a possibilidade de suspensão destas pelo período necessário à salvaguarda dos interesses dos filhos.

Destaca que, entre as novas regras, o uso da tecnologia, poderá ser garantia de acesso e convivência, com inclusão de normas estabelecendo horários de vídeo chamadas, telefonemas e formas outras que permitam o contato ainda que precário, mas possível.

Para tanto, deverá ser analisado, prioritariamente, o ambiente em que o filho esteja exposto, de modo a garantir a sua saúde, dignidade e desenvolvimento.

O entendimento encontra amparo ainda, no quanto exposto no Artigo 19 do ECA, segundo o qual, o direito a convivência famíliar deve vir acompanhando do ambiente em que se garanta o desenvolvimento integral da criança e do adolescente.

Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.

Isso significa dizer que, por mais que a visitação seja um direito e uma proteção à criança e ao adolescente; que garanta a convivência familiar, a reafirmação de relações entres filhos e genitores não detentores de guarda e os laços de amor e afeto; o melhor interesse da criança e a proteção ao bem maior da vida, são imperativos, tendo a capacidade de mitigar o direito de visitação, em respeito a saúde e desenvolvimento dos filhos.

Nesta esteira, o entendimento do jurista Rolf Madaleno, esclarece que: “as visitas têm a concreta finalidade de favorecer as relações humanas e de estimular a corrente de afeto entre o titular e o menor, porém, o mais valioso é o interesse da criança e do adolescente no caso de conflito (…)1.”

O judiciário atento às necessárias mudanças, já vem decidindo em favor do interesse dos filhos, como se percebe do Julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo que promoveu a suspensão do direito de visitas paterno, em razão do COVID19, do melhor interesse da criança.2

De toda a narrativa, é possível concluir que o interesse da criança sempre será o norte das decisões sobre visitação; que o ideal é que os pais cheguem a um consenso, amparados pela proteção integral a saúde da criança, utilizando-se de meios tecnológicos e possíveis à que se garanta os laços de amor e afeto. Caso não seja possível o consenso, servirá o judiciário a cumprir o seu papel estatal de regular tais relações, analisando o contexto de cada família, mas sempre em primazia do interesse dos verdadeiros sujeitos de direitos: as crianças e adolescentes.

 

 Camila Trabuco de Oliveira – Advogada – Pós -Graduada em Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes- Pós Graduada em Direito Civil e Empresarial pelo Instituto Damásio – Sócia Fundadora do Trabucco Advogados Associados.

1 Curso de Direito de Família”, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 450.
2 TJ-SP – AI: 20879346420208260000 SP 2087934-64.2020.8.26.0000, Relator:
J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 18/06/2020, 10ª Câmara de Direito Privado.