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Por que a Europa enfrenta uma 3ª onda de Covid? Entenda


Por: Foto mostra a Fontana di Trevi seca e sem público no centro de Roma na segunda-feira (15) — Foto: Tiziana Fabi/AFP Publicado em: 24 de março de 2021


Países como Alemanha, França e Itália passam por nova onda de contágio, que já afetou o Reino Unido recentemente. Velho Continente patina com vacinação lenta, impõe novas medidas de restrição e ameaça bloquear exportações de doses.

Em meio a uma vacinação lenta contra a Covid-19, diversos países da Europa começam a enfrentar uma terceira onda de contágios e voltam a adotar medidas mais restritivas para tentar frear o número de casos e mortes causadas pelo novo coronavírus.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirmou nesta quinta-feira (18) que o nível de vacinação do continente ainda é muito baixo para retardar a transmissão, que as infecções aumentaram nas últimas três semanas e que mais pessoas estão morrendo da doença do que há um ano.

Foram mais de 1,2 milhão de novas infecções por coronavírus e mais de 20 mil mortes na semana passada, segundo o diretor regional da OMS para a Europa, Hans Kluge, que alertou: “A vacinação por si só, não substitui as medidas de saúde pública e sociais”.

  • 3ª onda de contágios

Reino Unido já passou pela terceira onda em janeiro e, com um lockdown rigoroso e a aceleração da vacinação, conseguiu derrubar a curva de casos e mortes desde então. Mas o fenômeno começa a ocorrer em outros países do continente, como AlemanhaFrança. e Itália.

“Nós temos sinais claros: a terceira onda na Alemanha já começou”, afirmou na sexta-feira (12) Lothar Wieler, chefe do Instituto Robert Koch para doenças infecciosas, responsável por divulgar os números de casos confirmados e mortes por Covid-19 no país.

A Alemanha registrou na quinta-feira (18) o maior aumento de casos em quase dois meses. Foram 227 mortes e 17.504 novos infectados, a maior alta desde 22 de janeiro.

As hospitalizações na França estão nos níveis mais altos desde novembro, e os leitos de UTI estão quase no limite, mesmo com o país sob toque de recolher das 18h às 6h há dois meses. Restaurantes, bares, cinemas, museus, teatros e academias estão fechados há quase cinco meses.

A França entrou, a partir da meia-noite desta sexta-feira (19), em seu terceiro confinamento em um ano, anunciou o primeiro-ministro Jean Castex. A medida, desta vez menos restritiva, atinge 16 departamentos do país, incluindo Paris, para tentar conter a terceira onda de Covid-19.

“Vamos tomar as decisões que precisam ser tomadas”, afirmou o presidente Emmanuel Macron ao visitar um hospital a leste de Paris. Macron afirmou que as medidas são “pragmáticas, proporcionais e direcionadas”.

Segundo país mais afetado pela Covid-19 na Europa, a Itália registrou 502 mortes na terça-feira (16), o número mais alto desde o final de janeiro, um dia após as restrições serem intensificadas em todo o país.

Mais da metade da população retornou à “zona vermelha”, a mais restritiva, e haverá uma paralisação total no país durante três dias na Páscoa, entre 3 e 5 de abril, inclusive nas áreas menos afetadas.

Na Europa Central e nos Bálcãs, o diretor regional da OMS para a Europa, Hans Klugee, diz que os novos casos, hospitalizações e mortes estão entre as maiores do mundo.

Qual é a causa da nova onda? E as variantes?

O Instituto Robert Koch, da Alemanha, diz que a terceira onda é impulsionada por uma flexibilização das restrições que ocorreu nas últimas semanas, além das variantes do novo coronavírus, que são mais transmissíveis, e prevê um grande salto no número de casos nas próximas semanas.

Partes do país começaram a reabrir no começo do mês, após um longo bloqueio. Estabelecimentos não essenciais estão funcionando e alguns alunos começaram a retornar às escolas em turnos. Agora, restaurantes e hotéis esperam poder reabrir na segunda (22), segundo o jornal “The Guardian”.

Mas o instituto alemão alerta que o número de casos diários pode atingir entre 30 mil e 40 mil na Páscoa (contra 17 mil atualmente) se as medidas de restrição forem relaxadas em um momento tão crítico.

“É muito possível que, na Páscoa [início de abril], tenhamos uma situação similar à que vivemos antes do Natal, com um número muito elevado de contágios, vários casos graves e mortes e hospitais saturados”, afirmou nesta sexta-feira Lars Schaade, vice-presidente do instituto Robert Koch.

Em alguns hospitais alemães, segundo o “Guardian”, a média de idade dos pacientes está 20 anos abaixo da registrada na segunda onda. “Estamos na terceira onda da pandemia, os números aumentam, a proporção de variantes é alta”, afirmou o ministro da Saúde alemão, Jens Spahn.

Os especialistas também atribuem o recrudescimento da pandemia às variantes. “A história se repete”, afirmou Massimo Galli, um dos principais virologistas da Itália, ao jornal “Corriere della Sera” na segunda-feira (15). “A terceira onda começou e as variantes estão funcionando”.

O ministro da Saúde italiano, Roberto Speranza, diz que mais da metade das novas infecções foram causadas pela variante britânica. “A variante do Reino Unido se espalha de 35 a 40% mais rápido e representa 54% do total de casos”.

Speranza afirmou também que “a variante sul-africana também está presente, principalmente na região de Bolzano, e a brasileira está [presente] principalmente no centro da Itália”.

Na França, a variante britânica é responsável pela maioria dos casos. Na Polônia, o ministro da Saúde, Adam Niedzielski, também afirmou que a cepa identificada no Reino Unido já é responsável pela maioria dos mais de 25 mil casos registrados na quarta (17).

Um dia antes, o governo polonês anunciou três semanas de restrições, a partir deste fim de semana, que inclui o fechamento total de escolas, shoppings centers, academias e piscinas (os restaurantes já estão fechados).

As medidas de restrição não surtiram efeito?

Especialistas afirmam que a vacinação lenta e o relaxamento da população podem ter levado à escalada de casos, hospitalizações e mortes por Covid.

“O lockdown foi interrompido muito cedo, para permitir que as pessoas fossem às compras para o Natal”, disse a epidemiologista francesa Catherine Hill à emissora americana CNN. “A admissão em UTIs tem [aumentado] regularmente, e a situação agora é crítica em várias partes do país, incluindo a grande Paris”.

Josh Michaud, diretor de política de saúde global da Fundação da família Kaiser em Washington, disse ao “The Guardian” que “o rápido relaxamento da Europa nos requisitos de distanciamento em muitos lugares, combinado com as populações baixando a guarda, enquanto olhavam para a luz no fim do longo túnel da pandemia, ajudou a preparar o terreno para os surtos atuais”.

Na segunda (15), a diretora do CDC (Centro para Controle e Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos, Rochelle Walensky, citou países europeus como “exemplo”, dizendo que eles “devem ser sinais de alerta para todos nós”.

Em uma coletiva de imprensa na Casa Branca, Walensky exibiu imagens de jovens em praias lotadas da Flórida e implorou aos americanos que não baixassem a guarda:

“Cada um desses países teve seu ponto mais baixo [de infecção] como o que estamos tendo agora”, afirmou a diretora do CDC americano. “Eles simplesmente tiraram os olhos da bola. Estou implorando pelo bem da saúde de nossa nação”.

“Infelizmente todos nós tivemos a ilusão de que a chegada das vacinas reduziria a necessidade de fechamentos mais drásticos”, afirmou o virologista Massimo Galli ao “Corriere della Sera”. “Mas as vacinas não chegaram em quantidade suficiente”.

No Reino Unido, um estudo divulgado na quinta (18) aponta que ter atrasado o lockdown de inverno no país causou 27 mil mortes a mais.

O país, que passou uma terceira onda de Covid-19 em janeiro, é o mais afetado do continente (e o quinto do mundo), com mais de 126 mil mortes segundo balanço da Universidade Johns Hopkins.

“Começar de forma tímida e atrasada nos lockdowns tem sido um desastre, causando milhares de mortes evitáveis”, afirmou Mike Brewer, economista-chefe da fundação responsável pelo estudo.

“Além disso, atrasos nas restrições fizeram com que elas precisassem ser mais rígidas e duradouras do que em outros países, agravando os danos econômicos”, segundo Brewer.

A vacinação não vai parar a 3ª onda?

A União Europeia tem enfrentado uma vacinação lenta em quase todos os países e uma série de atrasos no recebimento dos imunizantes. Como resposta, tem ameaçado bloquear a exportação de doses produzidas no continente.

 

Enquanto o Reino Unido já aplicou mais de 27 milhões de doses da vacina contra a Covid-19 (o equivalente a quase 40 doses para cada 100 habitantes), a União Europeia administrou menos de 12.

Os Estados Unidos, outro país que tem visto o número de casos e mortes caírem com o avanço da vacinação, já aplicaram 113 milhões de doses (mais de 33 vacinas administradas a cada 100 habitantes).

Referência mundial na aplicação de vacinas, Israel foi o primeiro país a ver o impacto de seu programa de vacinação, mas precisou imunizar uma parte significativa da população e levou várias semanas. O país já aplicou 110 doses a cada 100 habitantes e segue entre os que vacinam mais pessoas por dia.

Mas Israel teve que vacinar 80% dos maiores de 60 anos até ver um impacto nos casos de Covid-19, segundo o professor Eran Segal, do Instituto Weizmann de Ciência, que está analisando dados para o Ministério da Saúde israelense.

No Reino Unido, as vacinas evitaram 80% das internações de idosos após apenas uma dose, segundo um estudo da agência pública de saúde do país divulgado no começo do mês.

Segundo o jornal “The New York Times”, a escassez de doses e o ceticismo dos europeus com vacinas, assim como burocracia e obstáculos logísticos, diminuíram o ritmo das vacinas no continente.

A OMS disse na quinta-feira (18) que as tendências mostram que as vacinações no continente não atingiram o nível em que podem efetivamente retardar a transmissão da doença.

União Europeia também tem comprado briga com fabricantes, principalmente a AstraZeneca, e ameaçado até proibir a exportação de doses.

Nos últimos dias, vários países europeus suspenderam temporariamente o uso da vacina de Oxford/AstraZeneca, incluindo Alemanha, França e Itália, alegando casos de coágulos sanguíneos relatados em um pequeno número de pessoas vacinadas.

A AstraZeneca afirma que mais de 17 milhões de doses da vacina já foram aplicadas na Europa e 37 casos de trombose foram registrados entre os vacinados, número muito inferior ao registrado normalmente na população do continente, em condições normais.

Na quinta-feira (18), a agência de medicamentos da União Europeia afirmou que a vacina de Oxford é “segura e eficaz” e que os benefícios da aplicação da vacina superam os riscos.

 

Por Lucas Sampaio, G1