- Crédito da Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado - Publicado em: 15 de abril de 2024
Texto coloca na Constituição distinção entre traficante e usuário, com penas alternativas à prisão. Proposta avançou no Senado após STF começar julgamento sobre porte de maconha.
O Senado votará na terça-feira (16) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna crime o porte e a posse de drogas, independentemente da quantidade.
O texto também prevê inserir na Constituição que deverá haver distinção entre traficante e usuário, com penas alternativas à prisão para quem consome a substância ilícita. Na prática, a proposta repete o conteúdo já existente na Lei de Drogas, em vigor desde 2006.
De autoria do presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a proposta é uma reação de parlamentares ao avanço do Supremo Tribunal Federal (STF) em um julgamento que pode descriminalizar o porte de maconha, em pequena quantidade, para uso pessoal.
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A discussão na Corte, interrompida em março, envolve justamente a Lei de Drogas e já tem 5 votos favoráveis à descriminalização. Há divergências entre os ministros a respeito de critérios objetivos para classificar a droga como uso pessoal e a aplicação de consequências jurídicas para a prática.
Pressão ao STF
Dentro do Senado, o entendimento é que a PEC – se aprovada em dois turnos pelos senadores e pelos deputados – vai obrigar o Supremo a rever o objeto central do julgamento que trata do porte de maconha. Isso porque a proposta determinaria, por meio da Constituição, a lei máxima do país, que não deverá haver tratamento diferenciado por tipo ou quantidade de substância.
Também há a avaliação de que inserir a regra na Constituição, criminalizando tanto o consumo quanto o tráfico, acabará com um debate a respeito da flexibilização de penas para usuários.
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Em repetidas declarações públicas, Pacheco argumentou que a PEC é necessária para definir que as duas condutas terão, independente de outros critérios, consequências jurídicas. “Cabe ao Parlamento decidir se algo deve ser crime ou não”, disse o senador em março.
Atualmente, a Lei de Drogas estabelece que é crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal, mas não pune a prática com prisão. São estabelecidas penas alternativas, como advertência, prestação de serviços comunitários e comparecimento a cursos educativos.
A lei não define qual a quantidade de substância que separa o traficante do usuário, deixando a definição a cargo de uma avaliação que, na prática, é subjetiva da Justiça. A PEC repete o mesmo teor, sem definir critérios objetivos para diferenciar o consumo e o tráfico.
O julgamento do Supremo se propõe a definir uma quantidade máxima para enquadrar o uso pessoal. Diferentes propostas já foram apresentadas pelos ministros.
No Senado, Pacheco já disse que o sentimento é de que não deve haver uma “definição disso por quantidade”.
Juristas avaliam que, se a PEC for promulgada antes do término do julgamento no Supremo — que ainda não tem data para retornar —, a Corte poderá ter de incluir o teor do texto em sua análise. Por outro lado, há entendimento de que a proposta também pode ser questionada judicialmente no STF.
‘Sólida maioria’
Antes de votar a PEC das Drogas, o Senado vai realizar uma sessão de debates sobre a proposta. O evento, marcado para segunda (15), atende a pedido de lideranças partidárias da base do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Entre os convidados, estão o médico Drauzio Varella e a presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Silvia Souza.
O relator da proposta, senador Efraim Filho (União-PB), avaliou que a sessão será “importante” para apresentar argumentos e contra-argumentos ao texto.
No dia seguinte, o cenário, para Efraim, será diferente. Ele espera que a PEC conquiste uma “sólida maioria” a favor — a avaliação é a mesma feita pelo presidente da Casa.
Propostas de Emenda à Constituição precisam ser aprovadas em dois turnos de votação, com ao menos 49 votos favoráveis. Inicialmente, a expectativa das lideranças do Senado é que somente o primeiro turno seja discutido nesta terça.
O segundo deverá seguir o mesmo rito adotado no anterior, com a realização de todas as sessões de discussão necessárias (3), com votação ao final.
Efraim, no entanto, disse acreditar que, a depender do número de senadores presentes e do placar de votação, poderá ser possível aprovar a quebra do prazo de discussão, permitindo a análise dos dois turnos no mesmo dia.
“Um tema que é extremamente importante para a sociedade brasileira, para a família brasileira. O tema das drogas tem inserção na saúde pública e na segurança pública. Ele afeta a vida das famílias. O Senado está preocupado com isso, já teve uma votação na CCJ, e dará a palavra final na terça-feira com a votação da PEC. Esperamos um quórum amplo e uma sólida maioria a favor do texto”, declarou o relator.
Entidades criticam
O texto da proposta tem sido alvo de críticas de entidades de defesa dos direitos humanos. No último dia 3, 19 representantes dessas organizações se reuniram com Rodrigo Pacheco. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), também esteve presente.
Na ocasião, Pacheco recebeu, em mãos, uma carta enviada pelo ex-presidente da Comissão Arns e ex-ministro da Justiça José Carlos Dias. O documento classifica a PEC como um “retrocesso inacreditável” e inconstitucional.
“Se aprovada, a ‘PEC dos Usuários’, o Senado Federal passará a mensagem de que pessoas que usam drogas não merecem ser tratadas com políticas públicas de saúde, educação e assistência social, mas sim com punição e encarceramento”, diz Dias.
Em dezembro passado, mais de 70 organizações da sociedade civil divulgaram nota pública contra a PEC. Além de argumentar que o texto é inconstitucional, o documento também afirma que a proposta “reforçaria o racismo estrutural”.
“A proposta de emenda à Constituição que busca criminalizar a posse e o porte de entorpecentes e drogas afins não é a abordagem mais eficaz e democrática para lidar com a questão social do uso de drogas. Políticas baseadas em evidências, que enfatizem a proteção à saúde pública, aos direitos humanos e a redução de riscos e danos, podem oferecer soluções mais sustentáveis e humanitárias para este desafio complexo”, afirmam as entidades.
Por Kevin Lima, g1 — Brasília