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Volta do sarampo à América Latina passa pela falta de vacinação, diz infectologista


Publicado em: 14 de março de 2018


© Sputnik/ Igor Zarembo

O registro de 8 casos de sarampo em Roraima neste ano reacendeu o alerta acerca da presença da doença no Brasil. A situação tem ligação direta com a Venezuela, país que lidera o número de infecções confirmadas na América Latina, e expõe a ausência de uma política eficaz vacinação, principal meio para combater a moléstia, segundo especialistas.

Em entrevista à Sputnik Brasil, o infectologista Edimilson Migowski, professor e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente do Instituto Vital Brasil, explicou que o sarampo é a doença mais transmissível entre seres humanos e apresenta muitos riscos, sobretudo para adultos que não tenham recebido as duas doses recomendadas contra a doença.

“Em um adulto o sarampo tem maior gravidade e letalidade. A doença mata, em média, 1 milhão pessoas por ano pelo mundo e, para uma doença evitável por vacinação, qualquer morte é muita porque posso evitar pela vacina. Ela é extremamente contagiosa, e quando não tinha como se tem hoje a vacinação no Brasil e no mundo, era a virose da infância mais comum e mais contagiosa, mais que catapora, rubéola, caxumba”, afirmou.

O especialista explicou que o sarampo se transfere de uma pessoa para outra por via respiratória, tendo o potencial de causar doenças secundárias, como a pneumonia e a encefalite, podendo comprometer os olhos (podendo levar à cegueira) e, se não tratada adequadamente, causar a morte da pessoa acometida pela doença.

Primeira região do mundo a ser declarada livre do sarampo, a América Latina já tem 8 países com notificação da doença só neste ano — em 2017, foram apenas quatro. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), já são 185 casos confirmados de janeiro a março, contra 22 em igual período do ano passado.

Em todo o continente americano, a Venezuela, em grave crise econômica e social, encabeça o maior número de casos notificados (159), seguida pelos Estados Unidos (11), Brasil (8), além de Antígua e Barbuda, Canadá, Guatemala, México e Peru. Até mesmo a Europa, segundo a OMS, viu o número de casos crescer 400% em 2017.

De acordo com o Ministério da Saúde, os oito casos registrados no Brasil estão localizados em Roraima, e envolvem venezuelanos que fogem da crise em seu país. Na opinião de Migowski, a situação explicita a falência do sistema público naquele país e mostra o impacto da falta de vacinação adequada à população. Sem tal pilar da saúde pública, associado ao saneamento básico que permita ter acesso à água de qualidade, os riscos são inúmeros.

“A vacina é top em termos de prevenção, mas ela vem pagando um preço elevado pelo sucesso que ela tem. O sarampo é uma doença exclusiva dos seres humanos, e todas as vezes que você tem uma doença que é exclusiva dos seres humanos, onde ele é o único hospedeiro, ela é uma doença passível de ser erradicada, como se erradicou a varíola. Existe a possibilidade, mas é preciso ter campanhas de vacinação e todos os países têm que aderir”, ressaltou.

Sintomas

Mais comum na infância, o sarampo vem acompanhado de tosse, febre alta durante 2 ou 3 dias, com o aparecimento de manchas na pele, olhos avermelhados, e secreção purulenta. A doença pode evoluir e atingir outros órgãos, como os pulmões, os olhos e o ouvido, podendo levar à pneumonia, diarreia ou doenças associadas que, se não tratadas, podem causar a morte da vítima.

Migowski comentou o fato do sarampo ser ainda mais perigoso quando acomete pessoas adultas, geralmente aquelas que não tomaram corretamente a vacina na infância ou na adolescência. A razão para isso não é clara, de acordo com o infectologista, mas não se restringe apenas ao sarampo.

“Catapora por exemplo é assim: quase nenhum adulto tem, mas 25% das mortes ocorrem em adultos, o que não represente 25% dos casos. O número de casos é muito pequeno para tanta morte, então o adulto tem tomar cuidado. Se não teve doença e não foi vacinado, é bom se vacinar para evitar que tenha um quadro maior gravidade”, revelou.

O especialista contou ainda que não existe um remédio licenciado que trate o sarampo, e as medidas para tratar a doença passam por medicamentos para diminuir a replicação e a força do vírus no organismo, além do uso de analgésicos e, sobretudo no caso de crianças, a aplicação de doses de vitamina A, já que tal substância entra em queda quando a pessoa é acometida pelo sarampo.

Diante da crise na Venezuela, os casos registrados no Brasil merecem ainda mais cuidados.

“Se essas crianças da Venezuela tendo dificuldade nutricional, é provável que tenham deficiência de vitamina A também. Acaba perpetuando a desgraça e pobreza, a pessoa já está pobre, adoece e piora. Temos que pôr vitamina A nos casos de sarampo, fazer analgésico, ter cuidado com os olhos, boa higiene, boa nutrição e torcer para que a criança evolua bem porque não temos antiviral especifico que possa ser utilizado para tratar o paciente com sarampo. É preciso dar tempo ao tempo”, afirmou.

A internação só é recomendada em casos com agravamento, como se a pessoa com sarampo apresentar um quadro de pneumonia, por exemplo.

Desinformação

Contudo, se a questão política e social parece justificar a situação da Venezuela, o reaparecimento do sarampo nos Estados Unidos e na Europa parece ter outras motivações. O infectologista da UFRJ avaliou que nestas duas áreas do planeta os desafios estão diretamente ligados a outro problema: a desinformação e à rejeição de dados oficiais e comprovados pela ciência.

“Outra variável é que tem campanhas contra a vacinação. Pessoas dizem que não vão vacinar o filho porque a vacina tríplice viral ou a tetra viral tem relação com o autismo, uma afirmação descabida, infundada e mentirosa, desqualificada como algo correto. E as pessoas ficam repetindo isso e soltam aquela máxima: ‘meu filho não está vacinado, não vou vacinar e ele não vai adoecer’. Não vai porque vacinei o meu filho, você vacinou o seu filho, e quando você tem uma excelente cobertura vacinal contra sarampo, é pouco provável tenha casos pipocando como na Venezuela e em outros países”, declarou.

Migowski fez questão de exaltar os benefícios da vacinação contra doenças virais como o sarampo, moléstia esta para o qual não existe um antiviral certificado para o seu tratamento. Assim sendo, a prevenção segue sendo ainda a melhor resposta e uma vacinação ampla e em duas doses – com um intervalo de pelo menos um mês, de preferência na infância – é a melhor política de Estado.

“Tem um fato incontestável quanto a isso: quais são os fatos e dados quanto à vacinação? Foi com a vacina que se erradicou a varíola, foi com a vacina que se controlou de forma bastante contundente a poliomielite no continente americano. A versão que se tem sobre a vacina é que ela é prejudicial e cause problema. Não é provável. As pessoas seguem a versão dos fatos e dados e não se apoiam nos próprios fatos e dados […] o que a gente tem hoje é a vacina como ferramenta segura, eficaz e que vai fazer com que essa ameaça de epidemia esmoreça, desde a gente tenha no Brasil grandes coberturas vacinais para sarampo, caxumba, rubéola e catapora, e essa grande cobertura passa por ter no mínimo duas doses após 1 ano de idade e intervalo mínimo entre essas doses de 1 mês”, pontuou.

Com uma experiência na área de mais de 30 anos, o especialista relembrou que a última vez que se registrou um risco de epidemia de sarampo no Brasil foi entre 1997 e 1998, quando uma família saiu de São Paulo para a Bahia portando a doença e o país registrou 58 mil casos. Para evitar que isso aconteça, o Ministério da Saúde está promovendo a vacinação de todos os venezuelanos – com idades de 6 a 49 anos – que estão em Roraima até o dia 10 de abril.

“O sucesso da vacinação faz com que essas doenças se tornem raras, por isso importante manter a cobertura vacinal. Como falei e repito, é a doença mais transmissível de todos os tempos entre seres humanos. É uma doença muito contagiosa”, continuou Migowski, que vê boa chance de sucesso na iniciativa brasileira de conter a moléstia.

“[Vale] lembrar que, se tive contato com o sarampo hoje, posso até me vacinar 3, 4 dias depois do contato com alguém com sarampo e tenho grande chance de me proteger. É possível fazer a chamada vacinação pós-exposição. Por isso, lá em Roraima está se fazendo uma grande campanha vacinação para, se 1 ou outra pessoa não vacinada ou vacinada parcialmente tiver contato com alguma criança com sarampo, eu faça a vacina 3, 4 dias depois com grandes chance de que criança que teve contato não desenvolver a doença porque a vacina protege bem rapidinho”, emendou.

Se alguém tem dúvidas sobre estar imunizado contra o sarampo, o infectologista recomenda que se busque a carteirinha de vacinação e se busque siglas como a SCR (sarampo, caxumba e rubéola), MMR (iniciais da doença em inglês), ou TV (tríplice ou tetra viral). “É bom pegar a carteira, [a vacinação] é geralmente feita na infância e não é incomum você encontrar adultos jovens que se vacinaram na adolescência”, concluiu.